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De Game of Thrones a Daniel Marques: as ruas da ZL que viraram galerias de arte

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Por Redação | 15.09.2017

Publicado em 15.09.2017 | 18:16 | Alterado em 31.01.2023 | 15:56

Tempo de leitura: 5 min(s)

Artistas coloriram o Jardim Maia, em São Miguel Paulista, na 11ª edição do Arte e Cultura na Kebrada

“Diga o que quiser, eu vou ser feliz à beça — homenagem ao eterno poeta da zona leste Daniel Marques “ — foto: Eduardo Silva

A cidade de São Paulo é considerada a capital mundial do grafite, graças aos seus quilômetros de extensão com desenhos e pinturas que dão mais vida e cor à cidade cinza.

Para quem gosta de arte urbana, é comum receber indicações dos chamados “points do grafite” como o Beco do Batman, na Vila Madalena, ou o “Museu Aberto de Arte Urbana”, localizado ao longo da Avenida Cruzeiro do Sul entre as estações Santana e Portuguesa-Tietê do metrô.

Porém, dificilmente se vê alguma citação das artes da periferia paulistana. Mas é justamente lá, mais especificamente no extremo leste da capital, a 30 km de distância do centro da cidade, que encontramos ruas e quarteirões que são pintados e coloridos pela própria comunidade, dando continuidade a um evento que ocorre anualmente desde 2007 — o Arte e Cultura na Kebrada.

***

De um lado, os organizadores montam um palco destinado a shows ao ar livre. Do outro, um espaço para discotecagem e tendas de alimentação e artesanato. No quarteirão abaixo, durante todo o dia, competições entre skatistas de todas as idades. Outros 10 quarteirões complementam um mix de artes e atrações culturais espalhados pelas ruas do Jardim Maia, em São Miguel Paulista. Essas foram ações ocorridas no último domingo do mês de agosto em meio a muito grafite e à presença assídua da comunidade.

Ao chegar lá, vemos que o Jardim Maia é um bairro unido e acolhedor, ao contrário do que a visão estereotipada do paulistano diria. E foi graças a essa união que o projeto nasceu e foi abraçado pela comunidade 11 anos atrás, quando teve sua primeira edição.

“O Arte e Cultura na Kebrada começou quando um grupo de 15 moradores da região se reuniu para grafitar o muro de uma casa. Com o tempo, o projeto começou a crescer e os próprios organizadores divulgavam o evento e chamavam outros grafiteiros, DJs, grupos de rap e dançarinos de break para mostrar seus trabalhos aqui e promover cultura no local”, explica Robson Bó, organizador do evento.

Evento contou com a presença de grafiteiros de São Paulo e de outros estados como Rio de Janeiro, Tocantins, Paraná e Rio Grande do Sul — foto: Eduardo Silva

Em um bairro que muitas vezes é desdenhado pelo poder público, a iniciativa — que sempre foi promovida pela própria comunidade, sem intervenção da prefeitura — serve não apenas para deixar o bairro mais bonito e colorido, mas também para levar cultura e informação para seus moradores. Todo ano, artistas de diversas cidades e estados do Brasil se deslocam até lá para mostrar seus trabalhos e mudar a realidade do bairro para melhor.

“O evento é diferente dos demais espaços da cidade destinados ao grafite, pois é realmente um evento que acolhe os artistas novos e os grafiteiros experientes, e oferece atrações para crianças, famílias e pessoas de todas as idades”, comenta Robson.

“Você pode vir com sua família, deixar as crianças brincando na área de lazer e aproveitar com tranquilidade cada uma das atrações que preparamos”, completa.

Com isso, além da presença de cerca de 200 grafiteiros na 11ª edição do evento, o Arte e Cultura na Kebrada 2017 também contou com shows de rap, rock e reggae, área de skate, batalhas de MCs, brinquedos infláveis para as crianças, cortes de cabelo, artesanato e até mesmo informações sobre coleta de lixo, sustentabilidade e cuidados com o meio ambiente.

Ao todo, foram 12 horas de programação. Durante o dia, o público transitava pelos 12 quarteirões onde o evento acontecia, conferindo a programação que se dividia em 8 áreas diferentes, ao mesmo tempo em que acompanhava de perto os grafiteiros pintando os muros do bairro (incluindo os muros da CPTM).

Grafites em referência ao Chapeleiro Maluco, do filme Alice no País das Maravilhas, à Charlie Chaplin, por Eici, e à série Game of Thrones, da HBO — foto: Eduardo Silva

Houve uma grande diversidade de grafites, desde desenhos próprios até referências mais populares, tais como o filme Alice no País das Maravilhas, de 2010, o ator Charlie Chaplin e a série Game of Thrones, da HBO.

Outro destaque do Arte e Cultura na Kebrada 2017 foi uma homenagem ao poeta da zona leste Daniel Marques, que faleceu em julho deste ano. O desenho ocupou uma grande área do evento e trouxe a mensagem “Diga o que quiser, eu vou ser feliz à beça” — referência a um texto do artista.

“Para nós, é muito importante essa união [da comunidade] porque antes era a gente que ia atrás dos muros para grafitar e hoje em dia são as pessoas que vêm atrás de nós e da nossa arte”, destaca o grafiteiro Emis, que também é organizador do evento.

Vale destacar também que, em março de 2017, o “Dia do Grafite no Brasil” completou 30 anos. A data é uma homenagem ao artista Alex Vallauri que, na década de 1980, foi um dos primeiros a usar o grafite como forma de protesto político durante a ditadura militar.

Foi nessa época que o grafite era considerado crime pela legislação brasileira — algo que se refletiu nos moradores do Jardim Maia. Justamente pelo estereótipo negativo que veio de fora para dentro, muitos deles consideravam a arte como ‘coisa de maloqueiro’, como lembra Emis. No início, só ele e mais alguns amigos grafitavam no bairro.

Contudo, hoje em dia, a realidade mudou, felizmente.

“Graças ao projeto, nós conseguimos passar uma imagem positiva do grafite para os moradores. Agora eles participam conosco, valorizam e admiram nosso trabalho. Claro que é muito corrido e trabalhoso fazer ‘essa parada’ acontecer, mas depois que você vê sua correria dando resultado, é mega gratificante”, complementa.

Não foi difícil observar pelas ruas que quem desfruta de tudo ao máximo é a própria comunidade. Além de curtir as atrações, muitos comerciantes locais também abrem suas lojas ou barraquinhas de comidas — como tapioca, açaí e churrasquinho — para recepcionar o público que é cada vez mais variado.

“O evento aqui é muito bom. Além de deixar o bairro mais bonito, sempre abre espaço para que pessoas de outros locais venham conhecer São Miguel”, comenta Evandro, morador do bairro, que acompanha o evento desde sua primeira edição.

À noite, o movimento cresceu e as atrações reuniram uma quantidade maior de espectadores e curiosos. Foi hora de se reunir com a galera em volta de um dos palcos para curtir o show de artistas da região — e de muitos outros convidados.

Todos foram bem-vindos lá e o resultado que fica é um bairro cada vez melhor, cheio de cultura, união entre os moradores e, claro, muito mais bonito e colorido.

Eduardo Silva é correspondente de São Miguel Paulista
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