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De Guaianases para a Alemanha: diário de bordo na COP23

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Por: Redação

Opinião

Publicado em 22.12.2017 | 13:18 | Alterado em 31.01.2023 | 15:56

Tempo de leitura: 8 min(s)

“Um índio do Acre me disse que iria se inscrever em um curso de inglês já que não dominar a língua prejudicou o entendimento e as negociações”

No último ano da faculdade, participei de um concurso de jornalismo ambiental promovido pelo Climate Journalism para que estudantes de jornalismo escrevessem sobre pautas ambientais, já que as faculdades não possuem essa matéria em suas grades na maioria das vezes (aliás, vale a pena ficar atento às novidades do Climate). Fiquei em segundo lugar com uma matéria sobre mobilidade urbana. Meses depois, recebi uma ligação para viajar para Alemanha e cobrir a COP23, um evento internacional que, até então, eu só tinha visto pela TV. Na hora fiquei bem empolgado com a oportunidade. Corri para conseguir o passaporte e tantas outras coisas, como a negociação daqueles dias na agência em que trabalho. O clima era de euforia, e deu tudo certo.

Desde que nasci eu moro em Guaianases, na zona leste de São Paulo. Essa seria minha primeira viagem para o exterior (e já começamos bem, né? 13 horas de avião sem ter ideia da sensação que teria ali dentro, estava nervoso por isso). Sair do país era uma vontade que sempre tive, conhecer outros lugares. “Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”, ouvi essa frase de Rosa Luxemburgo na adolescência e desde então acho que ela justifica bem a minha vontade de viajar, de mudar de lugar na vida.

Com tudo resolvido, estava confirmado: ia para Alemanha cobrir a COP e ter a oportunidade de pensar e escrever sobre a questão ambiental a partir das coisas que eu vivia e que eu achava importante falar. Voltei há umas semanas e escrevi breves relatos (porque isso daqui poderia ser gigante, de verdade) da experiência como um todo, dividido pelos dias que estive em terras alemãs.

9 DE NOVEMBRO: o voo estava marcado para a tarde de quinta-feira. Saí cedo de casa para dar tudo certo. O trem estava funcionando naquelas, mas deu muito certo, pois estava preparado para adversidades. Foi 1h de viagem, sendo que a viagem deve durar cerca de 40 minutos. Chegando na estação de metrô Portuguesa-Tietê, pedi no aplicativo um carro que não veio, pedi outro, que cancelou. Acabei tomando um táxi que deu o olho da cara. Cheguei no aeroporto, fiz o check-in, olhei em volta para ver as pessoas, tirei uma foto com minha mãe antes de entrar no espaço reservado aos passageiros, passei pela revista. Depois fui esperar as jornalistas que viajaram comigo.

Lucas Veloso a caminho da COP 23 -Foto: Arquivo Pessoal

10 DE NOVEMBRO: o avião chegou a Frankfurt, um dos dez maiores aeroportos do mundo. Aí começou uma saga que a gente escreveu por aqui.

11 DE NOVEMBRO: levantei cedo para organizar as coisas no quarto, tomar café e ir até Bonn, onde aconteceu a COP. Depois de cerca de 1h30 cheguei na cidade, tomei pela primeira vez o ônibus que circulava, aliás, sobre isso, também escrevi uma matéria para contar em detalhes como ele funciona. Bom, depois do ônibus, chegamos em Bonn. À primeira vista foi de um pavilhão gigante, cheio de mesas, cadeiras e muita (mas muita) gente circulando, lembrando que o evento reuniu pessoas de todas as partes do mundo, com as quais pude conhecer modelos de desenvolvimento sustentável. Em geral, as pessoas ali são bem disponíveis a falar e todas as vezes que pedi uma entrevista, ou queria emendar outro assunto, tudo deu muito certo. Para dar conta, o restaurante abria cedo para servir o almoço. Então, quando chegamos, o cheiro da comida já tinha tomado conta do espaço (fiquei feliz).

O primeiro passo foi olhar a programação e ver o que iria fazer ali, afinal, as atividades eram muitas. Fui dar uma volta por tudo e ouvir algumas palestras. Logo no início, percebi que os países mais ricos, como China e outros da Europa, tinham grande espaço ali, ao contrário de alguns países que ocupavam um espaço menor e sem tanto destaque. As Ilhas Fiji presidiram a edição deste ano, isso porque o lugar pode desaparecer nos próximos anos, por conta do aumento do nível do mar. Se quiser entender melhor, a Alessandra e a Heloísa, que viajaram comigo, escreveram um texto sobre isso. Vale a leitura.

12 DE NOVEMBRO: café. Táxi. Trem. No caminho, tinha um protesto. Essas manifestações são bem comuns, organizadas por ONGs ligadas aos temas ambientais para chamar atenção para algumas causas as quais os ativistas acreditam que são manipuladas ou tratadas com desequilíbrio pelos líderes mundiais. Mesmo com chuva, havia muitas placas, bonecos gigantes (lembraram os de carnaval em Olinda) de ursos e pessoas, representando os mais impactados pelas tragédias ambientais provocadas pelos efeitos climáticos. “Salvem o clima” e “Sem carne” foram algumas das frases que eu li por ali.

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Protestos na COP 23 — Foto: Arquivo pessoal

Outra coisa para destacar é a disponibilidade com que as pessoas posam para fotos e falam com você para explicar o que querem ali. Um ativista ali explicou de forma bem simples o motivo de estar protestando contra as carnes vermelhas. Eu, sem ser vegetariano e/ou vegano entendi o lado dele e concordei. De fato, falta um debate maior sobre essa questão e hoje eu acredito que conseguimos ter uma boa conversa sobre isso.

13 DE NOVEMBRO: logo de manhã assisti uma mesa que falou sobre os compromissos climáticos do Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Alguns representantes da Argentina e Colômbia também falaram de iniciativas em seus países. Depois disso, a parte da tarde foi de conversas com indígenas. Todos eles criticaram a política ambiental do país neste momento e alegaram retrocessos de práticas que até então tinham garantido algumas oportunidades para eles. Falaram ainda da falta de comunicação com o governo brasileiro, a falta de representatividade nas pautas ambientais sobre a Amazônia e a posse de terras. Outra coisa curiosa foi que um índio do Acre me disse que quando voltasse ao Estado, iria se inscrever em um curso de inglês para ‘entender o que eles falam’, já que sem dominar a língua, acabou dependente de traduções o tempo todo, o que segundo ele, “prejudicou o entendimento e as negociações”.

Na conversa com os indígenas, me identifiquei um pouco quando eles falaram da questão da língua inglesa, pois eu mesmo não domino o inglês. Sei falar algumas coisas bem pontuais. Aliás, isso foi uma das coisas que quase me impediram de aceitar o convite: por não saber me comunicar em inglês, imaginei a tremenda dificuldade que enfrentaria ali, com pessoas do mundo todo unidas por uma língua em comum, e eu, não entendendo nada.

Mas no fim das contas, a Heloísa e Alessandra me ajudaram demais, alguns aplicativos no celular seguraram a barra também, e, no fim, consegui estabelecer um mínimo de comunicação entre as pessoas. Tem um texto do muralista Vagner Alencar que fala muito sobre isso.

14 DE NOVEMBRO: esse dia foi um pouco tenso. Tive que sair mais cedo para falar com um entrevistado que estaria na COP só na parte da manhã. Foi o primeiro dia que ia fazer o caminho sozinho. Salvei tudo na memória do celular, tinha quase a cidade toda fotografada para me localizar. Primeiro, fui até a esquina e tomei um táxi que me levou até a estação de trem de Colônia, a Hauptbahnhof Köln, num trajeto de 10 minutos. Quando cheguei fui direto achar a plataforma e o horário que sairia o próximo trem para Bonn: aqui é preciso estar bem atento, pois vários trens com destinos diferentes passam na mesma plataforma. Tive que esperar cerca de meia-hora e quase perdi o trem porque eu estava distraído, mas quando vi as pessoas correndo, lembrei que era aquele, tinha dado a hora e o trem estava ali, pontualmente. Corri também e sentei, como todos ali.

Só para esclarecer: Ali em Colônia, as pessoas correm para não ficarem de fora, pois o trem não ocupa toda plataforma, que é gigante, ele só ocupa parte dela, se você não está lá, tem que estar. Caso chegue depois, ainda tem um botão que pode apertar e as portas abrem novamente para você entrar.

Como saímos bem cedo todos os dias, comíamos na COP mesmo. Havia algumas opções para veganos, vegetarianos e carnívoros, e as saladas é que me chamaram a atenção: muita coisa para escolher, igual o dia que minha mãe vai na feira e traz muitas coisas saudáveis (que eu nunca como), mas lá foi diferente. Comi bastante salada, peixe e arroz. As porções eram bem fartas e eu só ficava com fome no fim do dia mesmo. Além disso, tinha vários doces para comer: chocolate, pudim, tortas. Eu comi muito bem durante esses dias.

15 DE NOVEMBRO: além de comer, no dia anterior participei de uma palestra sobre reciclagem. Estavam presentes algumas autoridades, incluindo o ministro do meio ambiente, Sarney Filho (PV). Participei da conversa e depois queria falar com ele sobre algumas questões que não tinham sido tratadas mas que eram importantes para mim, pensando que eu estava ali para pensar em pautas que dialogassem com o lugar onde moro: a periferia de São Paulo. Ele me deu um cartão e indicou que procurasse a assessoria dele. Resumo da história: não consegui falar com ele e parte da história está neste texto.

16 de NOVEMBRO: viagem de volta. O trem, que no início parecia um bicho de sete cabeças, pareceu mais fácil, mas mesmo assim, na volta para o aeroporto fizemos a viagem de 1h em pé e cheios de malas, desviando das portas e das pessoas que transitam o tempo todo de um lado para o outro. Nada muito diferente dos ambulantes que comercializam produtos dentro dos trens que vão todos os dias para Guaianases, mas a diferença é que ali eu sabia que chegaria em 1h. Quando pego o trem para casa, não posso esperar a mesma coisa.

17 de NOVEMBRO: voltei à rotina normal feliz com a experiência que tive naqueles dias, dos lugares que conheci e das pessoas com quem troquei alguma ideia, que mesmo pensando diferente de mim, estavam ali não para convencer, mas para conversar e juntar opções para que nós possamos viver neste mundo por muito tempo, respeitando a natureza e tudo que ela nos oferece.

Um dos aprendizados mais importantes foi que não adianta muito a gente propor debates muito amplos se questões mais locais não foram bem resolvidas, afinal de contas, esses ‘pequenos passos’ são essenciais para batermos as metas da vida e, quem sabe, as dobrarmos.

Para pensarmos melhor sobre o aumento da temperatura dos mares, por exemplo, a gente precisa sanar a falta de coleta seletiva dos nossos bairros. Em casa, nós temos que praticar a separação dos lixos. A mudança depende de nós e das pequenas atitudes de mudança (um pouco piegas, mas isso é real). Também acho que mais jovens, como eu, devem ter a oportunidade de viajar, de sair do lugar para terem outras experiências, pois isso não podia ser mérito, mas um direito, e no fim, acaba sendo bom para todo mundo.

Por fim, como ser humano, tive a certeza de que não sou sozinho e tenho que pensar e trabalhar junto com as pessoas para cuidarmos do mundo, ou melhor, da “nossa casa comum”, como disse o Papa Francisco.

Bônus: Antes de ir, o muralista Cleber Arruda comentou que na Brasilândia tinha um cara dono de um Pet Shop pedia que seus clientes tirassem fotos internacionais segurando a plaquinha do seu estabelecimento. Ele sugeriu que eu também fizesse o registro na viagem. Eu, como não costumo perder desafios, também fiz a minha foto para o Macedo. Para entender melhor a história, leia aqui.

Lucas Veloso é correspondente de Guaianases.

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Homenagem ao Pet Shop Macedo

O repórter da Agência Mural viajou a convite do Climate Journalism e do ICS (Instituto Clima e Sociedade), como parte de um projeto para incentivar a produção de jovens jornalistas sobre temas relacionados às mudanças climáticas e a mobilidade urbana.

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