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Entre a costura e o samba: a matriarca de uma escola onde não tem mais Carnaval

Por: Kaliny Santos

A casa de Benedita Antonia de Oliveira, 73, costuma ser procurada por vizinhas para o conserto de roupas em geral. Costureira desde a infância, ela não é conhecida apenas pelos reparos, mas por ser uma das pioneiras do Carnaval em Osasco, na Grande São Paulo.

“Eu puxei a costura da minha mãe, já o samba, eu puxei do meu pai. Nossa família amava, todo mundo comendo e sambando”, diz Dona Dita, como é conhecida, uma das figuras mais importantes do Acadêmicos do Rochdale, escola fundada em 1976.

A matriarca da agremiação recebeu nos últimos dias uma homenagem, com a pintura de um mural em um prédio no bairro Baronesa, perto de onde mora. Nascida em Andirá (PR), ela vive há 58 anos no Rochdale, na zona norte da cidade.

Com quase seis décadas de vivência no bairro, ela diz que não moraria em outro lugar. “Não troco o Rochdale por nada, aqui tem tudo que eu preciso,tem o parque ecológico e vários bares aconchegantes, amo esse lugar”.

Dona Dita começou a atuar no Carnaval em 1978 @Léu Britto/Agência Mural

Dona Dita entrou na agremiação do Acadêmicos em 1978 para criar os figurinos da bateria. Mãe de 3 filhos, 7 netos e 2 bisnetos, os filhos também seguiram o amor pela escola e tocavam na bateria.

“Eu ficava toda empolgada quando fazia as confecções da bateria, me sentia muito feliz quando a escola entrava na avenida”, expressa Dona Dita. Não era só Benedita que fazia os figurinos, como ela conta, “tinha um batalhão de pessoas junto comigo, mas era responsabilidade minha acompanhar a bateria.”

A irmã dela, Ana Maria Teixeira, 58, foi princesa do Acadêmicos, mas isso aconteceu porque Benedita insistiu para que ela disputasse o posto. “Você tem que participar, é a escola do nosso bairro, vamos colaborar e participar também”, conta ela toda feliz.“Ela era linda, tinha um black power muito bonito, colocou uma pluma no cabelo e ganhou para princesa”, diz Benedita.

Dona Benedita trabalha com confecções de corte e costura, junto com a irmã Ana Teixeira, em um cômodo na frente de casa. Ela escolheu a profissão quando o pai, Antônio Nicolau, a perguntou aos 12 anos sobre o que gostaria de fazer e ela escolheu fazer curso de corte e costura. Hoje o que ela mais gosta de confeccionar são as camisetas masculinas.

Benedita chegou a ter outros empregos paralelos, como na creche onde cuidava de crianças ou cozinhando, mas depois que entrou na escola de samba se manteve na costura dentro e fora dos figurinos.

O pai, Antônio Nicolau, era responsável pelo financeiro da escola, onde ficou durante 7 anos. Foi ele quem ajudou Benedita em um momento difícil. Dita se casou aos 21 anos, mas perdeu o marido sete anos depois, em um acidente em uma quadra de futebol. “Quem me deu força foi o meu pai, ele chegou pra mim e falou: somos fortes, eu dou apoio para você, não vai desmoronar”.

Dona Dita relembra a fantasia que mais lhe marcou na escola, na época do enredo: “Mãe mãe, para onde vou?”.

“Foi uma bata azul cheia de brilhos e com calça branca. Nossa, ela (bateria) ficou linda na avenida, brilhava muito”. As fotos da época estavam em filmes fotográficos que se perderam no tempo, assim como boa parte da tradição do Carnaval de Osasco.

Fim dos desfiles

Atualmente, não há desfiles de escolas de samba no município. O final dessa trajetória foi em 2004, quando agremiações como a Acadêmicos do Rochdale não encontraram um lugar para desfilar.

“O local não era muito indicado para fazer o desfile”, diz Luiz Tamborilando, 72, ex-presidente da União das Escolas de Samba de Osasco, que ficou mais de 20 anos na ala de compositores da Acadêmicos do Rochdale.

Após o encerramento da escola, Dona Dita e a família passaram a frequentar a Escola de Samba Vai-Vai – uma das principais agremiações do Carnaval Brasileiro e a maior campeã do Carnaval de São Paulo.

“Depois comecei a ficar com preguiça de ir, é muito longe, né? Fica lá no centro da cidade a quadra deles. Mas, se o Acadêmicos do Rochdale ainda estivesse de pé, eu estaria na avenida pulando como antes”, relembra Dita.

Em 2010, houve uma última tentativa de retomar a festa. Osasco reuniu cerca de 4 mil pessoas para assistir os desfiles das escolas de samba que aconteceram entre as avenidas Cruzeiro do Sul e Brasil. A primeira a desfilar foi a Acadêmicos do Rochdale. Desde então, não houve mais desfiles.

Mural em homenagem à Dona Dita foi feito no Jardim Baronesa @Gustavo Machado/Arquivo Pessoal

Homenagem

Benedita Antônia de Oliveira foi homenageada no mural no bairro do Baronesa, ao lado do qual reside, pelo artista Lucas Barbosa, 27. Foi o primeiro mural a céu aberto dele.

Para que o mural fosse produzido, Lucas participou do programa ‘artes urbanas’, com a realização da Associação Paulista Amigos da Arte, uma organização social de cultura que há mais de 18 anos atua na difusão cultural e gestão de equipamentos no Estado de São Paulo. O edital beneficia artistas da Grande São Paulo.

“A princípio resolvi criar um mural que representasse as minhas técnicas artísticas, mas achei vazio”, diz Lucas. O artista conheceu a Dona Benedita por meio da neta dela, Yasmin Gabrielle. Ambos fazem parte do Coletivo Viela Vive, que fornece diversas atividades culturais urbanas na viela Cacilda de Albuquerque, também em Osasco.

‘Entendi que precisava contar a história do bairro onde cresci. Eu frequentava o estádio do Rochdale (José Liberatti) e a bateria da escola também ia. Isso me lembrou a infância, a arte, a cultura, e quis mostrar uma pessoa tão importante para Osasco’

Lucas Barbosa, 27, artista

Dona Benedita ficou sabendo dias antes que iria ser homenageada.“Fiquei encantada com a homenagem”, diz a figurinista. “As pessoas me veem na rua e falam: eu vi a foto da senhora. Onde eu vou as pessoas me dão parabéns, é uma alegria.”

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