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Ocupação com 4 mil famílias tem criança poetisa e curso para mulheres

Por: Wallace Leray

Entre um posto desativado e uma floricultura na Senador Teotônio Vilela, avenida que margeia o distrito Grajaú, na zona sul de São Paulo, existe há pelo menos três meses a ocupação Marielle Franco, nome dado em homenagem a vereadora do Rio de Janeiro, morta em março de 2018. A região foi ocupada pelo MTST (Movimento de Trabalhadores Sem Teto), que busca por habitação própria.

O terreno, antes repleto de mato, concentra fileiras de barracões cobertos por lonas sustentadas por madeiras. O espaço é uma área particular e, segundo os ocupantes, estava abandonado há mais de 20 anos e não cumpria função social. Ao menos 4 mil famílias ocupam a área, mas nem todas moram no local.

A Agência Mural esteve na ocupação e mostra como os moradores se organizam.

Ana Beatriz lê o livro favorito, um gibi da Turma da Mônica, no espaço de leitura do grupo 1 (Wallace Leray / Agência Mural)

A poeta

A ocupação é dividida em 17 grupos com líderes, sendo que cada lote possui uma cozinha coletiva, dois banheiros e um espaço com livros e brinquedos. Além de criar atividades para os acampados e visitantes terem contato com a arte, como saraus, rodas de debate e exibição de filmes.

A estudante Ana Beatriz Fernandes Pereira, 10, é uma das acampadas que gosta de frequentar a biblioteca adaptada. “Eu amo ler. Toda vez que chego, pego um livro, sento em cima do tapete e fico por um bom tempo lendo”, diz.

A menina aprendeu a ler no primeiro ano do ensino fundamental. “Quando tinha 6 anos minha mãe comprou um gibi da Turma da Mônica e eu gostei muito de ler. Depois, eu sempre pedia pra ela comprar mais. Foi através dos gibis que eu comecei a gostar de outros livros”, fala a menina risonha.

Ana Beatriz também é conhecida por fazer poemas. A garota que sonha em ser advogada, diz que gosta de escrever sobre a própria realidade. “Eu pego um papel, um lápis, separo as palavras, paro por um tempo pra construir o poema”, conta.

Ouça Ana Beatriz recitando o poema”A transição da água”, escrito por ela.

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Maria de Jesus mora de aluguel, mas frequenta a ocupação para participar de oficinas (Wallace Leray / Agência Mural)

Apoio entre mulheres

Próximo a uma escada de barro, está o barracão coordenado por Cícera Soraia Lima, 29. Por lá se reúnem pessoas que gostam de costurar e bordar. Soraia, que também é coordenadora dos grupos 16 e 17, conta que o local recebe visitas de idosas.

“Aqui elas encontraram outras mulheres com histórias parecidas com as delas, podendo desabafar sobre o dia-a-dia e esquecer um pouco dos problemas”, diz.

Além das atividades envolvendo customização de roupas, crochê e fuxicos, às sextas-feiras elas fazem “o dia de beleza”, com intuito de resgatar a autoestima das mulheres.

Maria de Jesus Lopes tem 70 anos e frequenta as oficinas. Ela veio da Bahia para São Paulo quando tinha 23 anos de idade. Trabalhou como metalúrgica por três anos e depois se tornou empregada doméstica. Hoje, é aposentada e mora em uma casa alugada no Parque Residencial Cocaia, também no distrito Grajaú. Vive com o neto de 20 anos.

“Eu venho para cá todos os dias. Acordo cedinho, pego o ônibus às 8h. Além de ocupar meu tempo com o que eu gosto de fazer, converso com minhas amigas, faço meus fuxiquinhos, e garanto minha sonhada casinha porque não aguento mais pagar aluguel”, comenta.

Maria tem dois filhos, mas não convive com eles. “Nem sei onde moram, eles nem vêm me ver, então preferi seguir minha vida”, conclui com uma voz um pouco engasgada.

Daniela (esquerda) e Graciele (direita) na frente da bandeira do grupo 11 (Wallace Leray / Agência Mural)

Casal de respeito

“G11, reunião!”. Quem grita convocando o grupo é Daniela Freitas, 28, que havia acabado de chegar à ocupação com a esposa Graciele Mariano, 31, de uma festa junina na escola da filha.

O casal faz parte da equipe de coordenadores do movimento de moradia. No espaço cuidado por elas há quatro casais LGBTs. “Por mais que sejamos o G [grupo] com o maior número de casais LGBTs, não queremos ser lembradas apenas por isso”, diz Daniela.

“Aqui a gente levanta outros tipos de discussões além desse tema, como violência doméstica, abuso, preconceito racial e étnico”, completa.

Já Graciele explica que a ocupação segue regras e normas, e não há tolerância para o machismo, homofobia, racismo, xenofobia ou outro tipo de preconceito.

“Aqui a gente leva a ideologia da Marielle Franco, que é lutar pela igualdade e defender o povo da periferia. A gente tenta politizar e conscientizar esse pessoal, que geralmente, não recebe a informação. Na maior parte das vezes não chega informação na periferia”, argumenta.

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