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Por que as periferias são as mais afetadas pela crise da falta de água em SP

Torneira adaptada em favela de São Paulo

Por: Raquel Porto

No Jardim São Luís, na periferia da zona sul de São Paulo, a dona de casa Maria Gomes, 62, convive desde 2014 com falta de água na parte da noite. Entre 18h e 5h, segundo ela, o abastecimento é cortado.

“Tem vezes que cortam de dia mesmo, por volta do 12h, mas volta um tempo depois. No fim de semana costuma ter água”, afirma Maria, que teme o agravamento da situação nos próximos meses.

Os reservatórios de água que abastecem o estado de São Paulo estão novamente em estado crítico e lembra justamente a crise vivida há sete anos.

A escassez de chuvas e a consequente falta de água na casa de moradores das periferias é talvez o maior exemplo de como as mudanças climáticas causadas pelo desmatamento afetam o dia a dia na capital.

Apesar de todos sofrerem com o aquecimento global, os efeitos são ainda mais severos com a parte da população que sempre esteve na base da pirâmide, vivendo em regiões com menos renda e com mais moradores em situação de pobreza.

Por que as pessoas nas periferias são mais prejudicadas, se elas são quem menos contribuem para o problema?”, questiona o mestre em ciências ambientais e energia Marcelo Laterman Lima, membro da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace.

“É o caso da atual crise hídrica, com o aumento no preço das contas de luz e de água e os cortes no abastecimento hídrico, que são sentidos primeiro nas periferias”, ressalta, mencionando o agravante de uma crise sanitária com a pandemia de Covid-19 e o aumento no preço dos alimentos.

Ele afirma que o racionamento de água sempre começa por essas regiões, sendo que há outros consumos pouco visados. “É importante olhar para os grandes consumidores, os da indústria e da agricultura convencional, antes de fazer a população pagar a conta”, afirma.

QUEIMADAS E CHUVAS

Marcelo aponta possíveis causas para essa longa falta de chuvas. O primeiro deles seria o fenômeno La Niña, que interfere nas dinâmicas climáticas e pode agravar eventos extremos, principalmente com chuvas mais intensas na região norte e secas prolongadas no nordeste do país.

Ele também cita os “rios voadores”, o papel exercido pela floresta amazônica como uma espécie de bomba que puxa para o continente a umidade evaporada do Oceano Atlântico.

A região forma massas de ar carregadas com esse vapor. As nuvens são barradas pelos paredões das cordilheiras dos Andes e, por conta disso, seguem rumo ao centro-oeste, sudeste e sul do país e países vizinhos.

Esse sistema é afetado pelas queimadas. “A principal responsável pelos rios voadores são as árvores, pois é a umidade liberada por elas na atmosfera que é ‘bombeada’ para outras regiões”, explica.

Segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) o índice de desmatamento da floresta amazônica no ano de 2021, foi 8,2% maior do que o registrado no mesmo período no ano passado. Ao menos 11 milhões de km² da floresta foram destruídos.

BANHO DIFÍCIL

Moradores das periferias falaram com a Agência Mural e disseram que, apesar de a Sabesp falar em seus comunicados sobre economia e nunca sobre racionamento, há sim um racionamento acontecendo nos bairros.

O analista de suporte de TI, Henrique Matias de Sousa, morador do distrito de Itaquera, na zona leste, conta que a situação começou a mudar recentemente. “Faz uns três meses que temos água na parte da manhã e à noite, por volta das 20h, torneiras secas”, apontou.

Ele tem usado outras alternativas para lidar com a falta de água. Henrique diz que a família é econômica, tomam banhos rápidos, aproveitam a água da máquina de lavar para limpar o quintal e estocam água da chuva.

Moradora da Favela do Pullman, na zona sul, buscando água @Léu Britto/Agência Mural

No caso de Maria Aparecida, do Jardim São Luís, a família se organiza para usar a água da rua nos horários disponíveis para lavar a roupa, regar as plantas e dentro de casa usam caixa d’água.

Outros moradores citaram que até tomar banho na própria empresa tem sido o caminho, por conta da escassez no fim de semana.

Mesmo com os cortes de água, Maria afirma que as contas estão com valores mais altos e os relógios com problemas. “Houve uma vez em que o relógio estava rodando sozinho e acionamos a Sabesp Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) para verificar o motivo, não encontraram nada de errado”, afirma.

Nesta semana, moradores das periferias levaram essas questões para a COP26 (26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas).

STATUS DA CRISE

Em maio deste ano, o Governo Federal emitiu um alerta de emergência hídrica, o qual duraria até meados de outubro, para as regiões sudeste e centro-oeste por ser uma época de seca. São Paulo, por exemplo, vive a pior seca dos últimos 91 anos.

Na crise que São Paulo viveu em 2014, em meados de maio o volume do Sistema Cantareira, que abastece por dia cerca de 7,5 milhões de pessoas, atingiu 3,6% da capacidade. Nesse momento a Sabesp passou a operar bombeando o volume morto, cerca de 480 milhões de litros de água embaixo da terra que nunca tinham sido usados para atender a população.

Além disso, a saída naquele momento da crise foi depender da transferência de outras bacias hidrográficas para atender a demanda de São Paulo, como as que estão entre os rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí.

Marcelo enxerga com preocupação optar por alternativas como essas e para essa nova crise que estamos a ponto de enfrentar.

O Sistema Cantareira está com 28,5% do seu volume operacional, segundo o Portal Mananciais da Sabesp, o que aumenta a necessidade de uso racional dos recursos, evitando a extração predatória e concentrada em que poucos se beneficiam em detrimento da maioria.

“É fundamental que se proteja os mananciais, as matas ciliares e se invista, por exemplo, em práticas de produção agroecológicas que, por usarem espécies mais adaptadas e preservar áreas de vegetação, ajudam na captação e contenção da água no território”, explica.

Cano com água vazando em comunidade de São Paulo @Léu Britto/Agência Mural

SABESP

A Agência Mural entrou em contato com a Sabesp para saber sobre esses casos de cortes nas tubulações apenas em regiões periféricas.

“A Sabesp realiza de forma rotineira desde a década de 90 a gestão de pressão noturna. Quando há menos consumo, reduz-se a pressão nas redes a fim de evitar perdas por vazamentos e rompimentos; quando o uso é retomado, a pressão é reajustada”, diz a empresa.

A Companhia informou também que os horários da gestão da pressão são públicos e sempre estiveram disponíveis no site da Sabesp e pela Central de Atendimento. A atual operação da gestão da pressão noturna ocorre das 21h às 5h, exceto em setores de abastecimento onde não há viabilidade técnica desta operação.

A Agência Mural também questionou a respeito do impacto das mudanças climáticas, o nível de desmatamento e queimadas de biomas, e se há outros métodos para conseguir água, além da transferência de bacias.

A empresa afirmou apenas que o Sistema Integrado Metropolitano, composto por sete mananciais e a interligação das bacias hidrográficas, tem dado certo desde a crise de 2014.

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