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Prazer, Pirituba! Como o jornalismo me apresentou ao meu bairro

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Por Lara Deus | 17.05.2018

Publicado em 17.05.2018 | 18:36 | Alterado em 27.02.2024 | 16:25

Tempo de leitura: 4 min(s)

“Andar pelas ruas, vielas e escadões me ensinou mais do que todo o ensino formal”, diz correspondente

Hoje, 17 de maio, é o Dia Internacional da Comunicação e das Telecomunicações. Tinha 16 anos, estava no último ano da escola e já pensava em cursar jornalismo. A empolgação com a escolha não era tanta, mas essa profissão parecia ter potencial para me permitir alcançar um grande sonho: fazer a diferença para o país.

Uma ida ao mercado do lado de casa e um cartaz no quadro de avisos apontaram o meu caminho. “Vamos fazer nosso próprio jornal!”, dizia o papel grudado na parede.

Essa única frase me convenceu, e, menos de uma semana depois, eu estava na primeira oficina do Click, projeto de educomunicação que começava aqui no Jardim Felicidade, em Pirituba, meu bairro na zona norte de São Paulo.

Era 23 de julho de 2011. Essa data ficou marcada para o mundo como o dia em que a cantora Amy Whinehouse morreu. Para mim, sempre será a data em que eu comecei a abrir os olhos para o lugar que me cercava.

Digo que Pirituba apenas me cercava porque, desde que eu me entendo por gente, vivo por aqui. Apesar disso, até os 16, dizia que morava “logo ali”, “perto da Lapa”, “do ladinho da Marginal Tietê”… Talvez estas desculpas existissem porque o que se fala na imprensa hegemônica, como a TV e os principais jornais, sobre os bairros das periferias não é positivo, em geral. E isso me fazia não sentir orgulho do meu bairro..

Apesar de saber que não vivia em uma área perigosa, lembro que uma brincadeira comum era assistir aos programas policiais de fim de tarde e reconhecer as regiões de Pirituba. Entre as pautas, a violência urbana ou as tragédias causadas pela desigualdade eram comuns. Entre as imagens, não era raro ver meu bairro (e outros) de cima, da visão de um helicóptero que está acompanhando uma perseguição policial ou filmando vítimas de enchentes.

Educação e preconceitos

Diariamente, desde a pré-escola, ia à Lapa para estudar, porque a noção de que as oportunidades só existiam da ponte para lá era uma certeza naquela época. Escolas públicas já são vistas como sinônimos de baixa qualidade em educação. As do meu bairro ainda eram associadas à violência, pelos vizinhos, mesmo.

Só mais tarde, também com o Click, frequentei algumas escolas de Pirituba e descobri que elas tinham projetos e atividades que a escola da Lapa não me ofereceu, por exemplo. A maior violência ou menor qualidade das escolas daqui parece não ser um dado consistente.

Ainda em busca de um estudo melhor, entrei em um projeto que selecionava estudantes de escolas públicas e dava bolsas em colégios de elite. Para conseguir essa bolsa, teria que passar pelo desafio de estudar durante a 7ª e 8ª série em duas escolas: de manhã a escola pública, na Lapa, e à tarde a particular, no Paraíso. Isso fez com que, desde os 12 anos, Pirituba se tornasse apenas um dormitório para mim.

Turma do projeto Click (Arquivo pessoal)

A educomunicação e as descobertas

Explorar o bairro era para ocasiões especiais, como uma ida ao hospital ou ao cartório eleitoral. Mas, a cada sábado de oficinas do Click, andar pelas ruas, vielas e escadões me ensinou mais do que todo o ensino formal que tinha tido até ali. Uma das primeiras histórias que eu contei era de um teatro ecológico que estava sendo projetado na Vila Mirante. Depois, tentei investigar a falta de acessibilidade das estações da CPTM daqui. Após duas edições de jornal, já fomos chamados para contar nossas histórias e divulgar agendas semanalmente em uma rádio comunitária.

E a cada história que ouvia, aprendia mais sobre onde eu cresci. A cada reportagem que fazíamos, entendia a complexidade de se morar na periferia e tinha mais vontade de gritar ao mundo seu valor e resolver seus problemas.

Acima de tudo, em poucos meses, já pude entender que Pirituba fazia parte da minha história, sim. E com muito orgulho.

Entrar na Agência Mural foi consequência disto. A afinidade com o tema e a vontade de continuar contando histórias do meu bairro cresceu da semente que o Click plantou. Mas a projeção que uma agência de notícias com mais de 50 jornalistas tem, amadurece o modo como busco pautas e as desenvolvo.

Hoje, aos 23, estou formada e sei que jornalismo periférico transformou minha vida. E o esforço é que essas mudanças saiam das ideias e se reflitam na prática. Durante a minha carreira, nenhuma linha será escrita sem considerar a desigualdade territorial imposta a quem mora nas bordas da cidade. E muito menos menosprezando a capacidade de criação e mudança concentrada por aqui.

Essa certeza se estende aos meus colegas do projeto Click, mesmo os que não trabalham com comunicação. E o meu sonho é que essa oportunidade de olhar para o lugar onde moramos sem o estigma da violência, pobreza ou escassez presente na imprensa hegemônica seja oferecida a todo mundo que vem daqui.

“(…) O tráfico de informação não para.Uns estão saindo algemado aos diplomas depois de experimentarem umas pílulas de sabedoria.

As famílias, coniventes, estão em êxtase.

Esses vidas mansas estão esvaziando as cadeias e desempregando os Datenas.

A vida não é mesmo loka?”

Sérgio Vaz

Lara Deus, correspondente de Pirituba
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