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Apesar de avanços, ainda faltam mulheres na política da Grande São Paulo

Por: Ana Beatriz Felicio e Gisele Alexandre

No ano de 1969 a cidade de São Paulo elegia pela primeira vez uma mulher negra para ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores. Theodosina Ribeiro, que morreu em abril deste ano aos 89 anos, acreditava que sua eleição havia sido um exemplo para todo país. 

Entretanto, meio século depois, os números das últimas eleições municipais ainda mostram a falta representatividade feminina da política, inclusive na Grande São Paulo. Mais da metade das 39 cidades que compõem a região metropolitana não elegeram nenhuma mulher para câmara ou apenas uma única representante. 

Cotia, na região oeste, é uma das que não elegeu nenhuma representante feminina. A cidade, com cerca de 245 mil habitantes, vive um apagão de mulheres eleitas há 30 anos, mesmo tendo aumentado o número de vagas na Câmara este ano de 13 para 15 cadeiras.

Para a jornalista e correspondente da Agência Mural na cidade, Halitane Rocha, 24, a falta de mulheres na política institucional da cidade causa diversos problemas, principalmente para as mulheres das periferias, já que não há ninguém na Câmara para cobrar e fiscalizar os direitos das mulheres. 

“Sendo periférica a gente sente isso ainda mais na pele, quanto a dificuldade para conseguir um atendimento médico, vaga na creche ou registrar um boletim de ocorrência para violência doméstica”, comenta. “São pautas  que normalmente as mulheres entendem melhor, lutam a respeito, mas não estão lá pra nossa garantia. Uma câmara sem representatividade feminina não me representa”. 

Carolina Rubinato, 38, foi a cabeça de chapa da candidatura feminina mais votada este ano na cidade. O ‘Mandato Coletivo Feminino’ do PSOL teve 1.052 votos, mas o partido votos suficientes para a vaga. 

Mulheres do Mandato Feminino de Cotia @Divulgação

De acordo com Carolina, diversos fatores fazem com que a cidade não eleja mulheres há tanto tempo. Um deles é a questão da pobreza e da dependência econômica e emocional de algumas mulheres. 

“Isso acaba fazendo com o que o voto dela não seja um voto consciente, porque ela vota em quem vai ajudá-la a pôr um prato de arroz na mesa e os políticos da cidade se aproveitam disso para ter o controle dessas pessoas.”.

Além disso, há também diversas dificuldades para as candidatas. Carolina conta que houve ameaças e intimidações com aquelas que tentaram concorrer. “Eles atacam de todas as formas, eles ameaçam, deixam mensagens subliminares de ameaças aos nossos filhos, então é um medo que a gente tem”. 

Um estudo feito pela Revista AzMina, junto ao InternetLab, com parceria do Instituto Update coletou e analisou comentários com engajamento (likes e/ou retweets) direcionadas a diversas candidatas entre 27 de setembro e 27 de outubro, revelou que elas recebem uma média de 40 xingamentos por dia no Twitter durante o período eleitoral.

MACHISMO E FALTA DE APOIO

Nas eleições deste ano houve um aumento no número de mulheres na disputa, mas o número ainda foi próximo da cota mínima de 30% de candidaturas femininas por partido prevista em lei.

A única vereadora eleita em Santo André, no ABC Paulista, Ana Lúcia Meira (DEM), 39, conta que também foi alvo de ataques durante a campanha, além de mentiras espalhadas a seu respeito.  

“Nesse contexto, sempre acaba acontecendo um ou outro ataque machista, infelizmente, ainda sofremos com isso, porque a mulher na política ainda trás para alguns um certo ranço e isso é muito triste”.

Ana Lúcia se diz surpresa que em uma cidade tão grande como Santo André, com 21 cadeiras para vereador, apenas uma mulher foi eleita. Para ela, a falta de chances reais de vitória das candidatas é um dos empecilhos.

“Vejo muitas mulheres saindo candidatas apenas para cumprir a cota partidária e é uma cultura machista, onde elas são convidadas e acabam aceitando sem ter um planejamento, um estudo, algo que realmente as coloque com chances reais de serem eleitas”.

A prática de lançar candidaturas-laranja ainda é comum. O termo usado para definir aqueles que assumem uma função ou responsabilidade no papel, mas não a exercem na prática. Ou seja, os partidos registram uma candidata, mas que não tem a intenção de concorrer de fato.

Assim, as candidaturas-laranja podem ser usadas tanto para cumprir as cotas mínimas quanto para desviarem recursos públicos. 

CAPITAL CONQUISTA MAIOR REPRESENTATIVIDADE

Já na capital paulista houve um leve aumento de mulheres eleitas, de nove para 13 cadeiras. Dessas, quatro serão ocupadas por mulheres negras.

Luana foi uma das eleitas este ano em São Paulo @Divulgação

Luana Alves (PSOL), 27, será uma delas. Estreante na política, atualmente mora no bairro do Butantã, mas cresceu na periferia do Grajaú. Ela entrou na política como militante e faz parte da Rede Emancipa, movimento social de educação voltado à jovens da rede pública. 

Apesar de eleita, a vereadora afirma que ainda falta representatividade. Ela defende que as mulheres, sobretudo negras, são sujeitos políticos, mas que atuam fora da política institucional. 

Para Luana, é necessário mais apoio e atenção às mulheres que atuam nos territórios e na política de base, como em movimentos pela saúde, luta pela melhora na moradia e articulações de apoio aos cuidados com crianças e jovens.

“Política não é só ser candidata e estar na Câmara, política é a gente estar fazendo movimento, articulação social. Esse tipo de movimento de base, que são vários e são diversos, em geral são lideradas por mulheres e lideradas por mulheres negras. Fica óbvio que a nossa participação política é grande, mas não é uma participação política no espaço de poder”, conta.

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