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Em Cajazeiras, cursinho popular enfrenta desafios digitais na preparação dos alunos

Por: Lucas Barbosa

Geilson Reis de Andrade é um dos muitos ex-alunos que após conseguir o diploma voltaram para o cursinho @Lucas Barbosa/Agência Mural

Inclusão digital está longe de ser realidade na vida de professores e alunos do curso pré-vestibular Quilombo do Orobu, em Cajazeiras, Salvador. Há mais de um ano com aulas on-line por conta da pandemia, a lista de desafios é extensa.

“Nossos jovens e adultos enfrentam diversas dificuldades para se manterem conectados, faltam aparelhos compatíveis, pois ter um aparelho e acesso ao Whatsapp não significa estar incluso tecnologicamente; os dados móveis não são suficientes para acesso a plataformas digitais havendo inúmeras limitações”, conta o professor de história Jailton Aleluia, 47. 

Desde 2000 no bairro, o cursinho oferece preparação para estudantes negros ingressarem na vida acadêmica a preços acessíveis. No ano passado, as aulas noturnas, de segunda a sexta, e extras aos sábados, foram para o ambiente virtual.

Aleluia conta que o curso passou por diversas plataformas, como Whatsapp, Hangouts, Zoom e Google Meet, até o formato atual. “Agora, fomos presenteados por um ex-cursista, estudante de ciências da computação, com uma assinatura G-Suite, e iniciamos 2021 ainda de forma remota, com novos recursos”, explica. 

O estudante João Vinícius Jesus Santos de Lima, 16, está no Quilombo desde o ano passado e elogia a iniciativa. “Minha mãe já tinha feito o curso e no ano passado entrei pois estava sem aulas no colégio. Para não ficar sem conteúdo, entrei e voltei este ano. É incrível como os professores aprenderam com bastante facilidade e rapidez o funcionamento da tecnologia para nos ajudar”. 

A estudante Maíra Santana, 17, pretende cursar ciências sociais em uma universidade pública e está no cursinho desde o início deste ano. Para ela, o ambiente virtual tem suas ambiguidades. “Na aula on-line é um pouco difícil manter o foco com tantas distrações materiais e emocionais. Porém, se esses encontros fossem presenciais, eu não teria condições de ir, por conta do horário, da distância dos bairros e do horário que estudo na escola”, diz.

“Acredito que diferencial do Quilombo de outros cursos é o foco na educação antirracista e o acolhimento. Agora, no período pandêmico, falta motivação, falta disciplina, falta material, oportunidades, falta tudo”, diz a aluna.

Para Aleluia, a falta de recursos dos alunos é um dos problemas identificados no acesso à internet. “A instabilidade do WI-Fi deixa a todas as pessoas prejudicadas. Os pacotes assegurados pelas operadoras tanto para Wi-Fi, quanto para dados móveis, não são reais. A qualidade no fornecimento é insuficiente e nem todas as pessoas podem pagar para ter o Wi-Fi”.

“As pessoas não conseguem apoio suficiente do governo neste cenário pandêmico, a maioria passa fome e com fome não conseguem focar nos estudos, a pandemia aflorou as desigualdades sociais, a saúde mental de nossos e nossas estudantes está mais abalada com o cenário da Covid-19 e precisamos cuidar umas das outras pessoas”, avalia o professor. 

Aleluia conta que a escolha do nome do cursinho tem relação com o Quilombo do Urubu, que existiu no território onde atualmente estão os bairros de Cajazeiras, Pirajá e parte do Cabula. “Esse nome possibilitou conhecermos a história de Zeferina, mulher negra e guerreira que com outras 20 mulheres escravizadas e livres organizavam a tomada da cidade de Salvador, e num surpreendente ataque das forças militares, resistiu a prisão com arco e flecha e com altivez gritava ‘mata branco, viva negro!’”.

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O curso em andamento teve início em março, com taxa de inscrição no valor de R$ 20 e mensalidades a R$ 50. Segundo o professor, os valores são revertidos para a manutenção das despesas e contribuição para os docentes voluntários.

Ex-aluna do cursinho, a escritora e educadora Gilmara Silva de Oliveira, 34, ressalta a importância do projeto para os jovens da região. “Não temos o apoio financeiro do Estado, mas estamos dizendo para o Estado, qual é o nosso propósito, nosso direcionamento político. Sabemos que nós temos direito à educação superior e queremos esse espaço porque também é nosso.”

Para Geilson Reis de Andrade, 40, letrista, desenhista e educador social, o curso é um caminho de mudanças sociais. “Um pré-vestibular que incentiva jovens na periferia a adentrar a universidade estimula o interesse pela pesquisa científica,  a necessidade de termos esses conhecimentos para nos protegermos do poder manipulador das hegemonias globais.”

Andrade é um dos muitos ex-alunos que após conseguir seu diploma acadêmico voltou para o Quilombo do Orobu. Formado em letras vernáculas, ele é atualmente conselheiro do pré-vestibular e relembra sua trajetória. “É empolgante e desafiador, pois me coloco sempre no lugar de quem está chegando e sinto necessidade de ajustes a cada ano. Também nos desafia o quanto o caos do sistema de ensino fragiliza nossa comunidade.”

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