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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Amanda Oliveira

Notícia

Publicado em 18.10.2023 | 14:54 | Alterado em 18.10.2023 | 17:41

Tempo de leitura: 6 min(s)

Mariluci Oliveira, 46, faz bolos há 13 anos para vender. “Faço por amor e necessidade. Fiz disso minha profissão”, conta ela que é confeiteira no bairro do Cabuçu, no município de Guarulhos, na Grande São Paulo.

Tudo começou em 2010, quando tinha ainda um filho e queria conquistar a independência financeira. Apesar de ser casada e o esposo arcar com os custos de casa, naquele momento ainda não era o suficiente.

A confeitaria foi o pontapé inicial. Sem nenhum curso, ela colocou a mão na massa, literalmente, para conquistar uma renda. O negócio foi crescendo com o passar dos anos e, o que era uma paixão, se tornou o sustento.

O mês de outubro marca a celebração do dia do empreendedor (5/10). Porém, o discurso sobre empreendedorismo muitas vezes esconde que, na verdade, são pequenos negócios de moradores das periferias em busca da sobrevivência.

Segundo o Sebrae, de acordo com dados do IBGE, a população negra é dona da maioria dos pequenos negócios, mas com salários 32% menores do que brancos.

Mariluci vive em Guarulhos e tem buscado fazer dos bolos um negócio @Arquivo Pessoal

Mariluci vive em Guarulhos e tem buscado fazer dos bolos um negócio

Mariluci vive em Guarulhos e tem buscado fazer dos bolos um negócio

Incertezas

Mariluci, por exemplo, teve de aprender a lidar com as inconstâncias do empreendimento, afinal, não são todos os dias que há encomendas. Para driblar isso, ela aposta na divulgação dos serviços por meio das redes sociais.

“Você fica esperando o cliente vir, e às vezes dá aquela parada, aí quando tem [encomenda], é preciso guardar capital para o que vai precisar fazer mais para frente”, comenta sobre os desafios de ter um negócio.

“Você não sabe quando terá outra encomenda, você fica muito limitada”

Mariluci, dona de uma loja de bolos em Guarulhos

A confeiteira, que também foi costureira aos 15 anos para ajudar em casa, já se aventurou no ramo de cabelos crespos e cacheados quando fez curso de trancista – vez ou outra faz alguns cabelos.

O trabalho exige esforço físico e causou sequelas. Desenvolveu bursite nos ombros, inflamação causada pela repetição de movimentos. Uma opção para diminuir o trabalho físico seria utilizar panelas automatizadas, mas por falta de dinheiro, não consegue fazer o investimento. Enquanto isso, conta com a ajuda do sobrinho.

Tenho medo de [manter o negócio] sozinha, às vezes penso que não sou capaz, mas quando vejo o financeiro, isso me fortalece. Consigo ir, mas quando não entram [pedidos] eu fico retraída”, desabafa.

Mariluci diz que agora o foco é transformar a “Mary Bolos” em loja física.

Das caixas de leites, brincos

Em Itaquera, na zona leste de São Paulo, Wiara Carvalho, 31, confecciona brincos sustentáveis e com tecidos africanos para resgatar a ancestralidade. O trabalho está em pleno crescimento, mas nem sempre foi assim.

Ela nunca quis “trabalhar para os outros”, conta que fazer o próprio horário e com algo feito para si mesma eram possibilidades que já desejava. Antes, teve alguns trabalhos, um deles como promotora de eventos.

Durante a pandemia de Covid-19, o esposo ficou desempregado. O auxílio emergencial não seria suficiente para sustentar a casa e os dois filhos pequenos. Como forma de sobrevivência e de resgatar um sonho, Wiara decidiu retomar um projeto antigo, o Toque de Criolla, uma marca de acessórios voltada à ancestralidade.

Wiara transforma caixas de leite em brincos @Arquivo Pessoal

Wiara transforma caixas de leite em brincos

Wiara transforma caixas de leite em brincos

Incentivada pelo marido, ela decidiu investir em acessórios, como brincos, que são o forte da marca. Inicialmente começou com revenda e depois percebeu que poderia mudar o formato de produção.

Os filhos tomavam leite, então ela pensou “por que não utilizar as caixinhas como forma de reaproveitamento para produzir arte?”. Essa indagação foi o que impulsionou o trabalho e o direcionou para a sustentabilidade.

É num ateliê em Guaianases, no fundo da casa da mãe, que Wiara desenha os modelos do brinco, confeccionados com caixinhas de leite. Apesar de todo o contexto e a história do negócio, Wiara não romantiza o empreendedorismo.

“É muito duro, a gente que é preto, periférico e empreendedor tem que trabalhar para pagar conta, pois ter um lazer é muito difícil. Lutamos todos os dias, precisamos ter voz, senão o mundo engole a gente”

Wiara, empreendedora de Itaquera

Sonhar e sobreviver

Uma pesquisa realizada pela GEM (Global Entrepreneurship Monitor), de 2020, e desenvolvida no Brasil pela Sebrae, em parceria com o IBPQ (Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade), considera que 62,8% da população negra é a que mais expressa o sonho de empreender.

Em entrevista para a Agência Mural, Marcio Cardoso, um dos fundadores do Emperifa, projeto de capacitação e assessoria em gestão e criatividade para negócios periféricos, traz a reflexão de que pessoas negras empreendem por sobrevivência.

“Empreendem por necessidade, é fato. Perdeu emprego, por exemplo, e não tem renda, ela cria uma situação para ter renda e sobreviver”, explica. No Emperifa, 80% dos atendidos são mulheres e 4 em cada 10 têm renda abaixo de um salário mínimo.

Há mais de 5 anos trabalhando no Emperifa, ele percebe que quando as pessoas dizem que empreender é um sonho, não anulam a necessidade de sobrevivência e nem romantizam a situação. Para ele, as pessoas dizem isso porque empreender é a chance que encontram de melhorar de vida.

“É o sonho de ter uma casa legal e poder viajar. Poder passear e ver a família numa estrutura melhor, ver os filhos estudando. O sonho está atrelado àquilo que estão fazendo”

Marcio Cardoso, do Emperifa

Porém, Cardoso diz que não podemos deixar de lado as questões históricas que marcam o Brasil. “Quando falamos que negros empreendem mais, mas que os brancos têm melhores rendimentos, estamos falando de uma questão imposta desde a escravidão”, expressa.

Desde cedo

“Hoje em dia é tudo muito difícil, conseguir concorrer no mercado como esse e ter espaço é realmente complicado, tem que se esforçar muito para depois vir um retorno”, reflete Mateus Queiroz, 20.

Morador de Diadema, na Grande São Paulo, ele trabalha desde os 14 anos para conseguir comprar itens como roupas e sapatos e hoje busca consolidar uma marca de roupas após ser desligado do último emprego.

Mateus criou uma marca de roupas em Diadema

Mateus criou uma marca de roupas em Diadema

Mateus criou uma marca de roupas em Diadema

Mateus criou uma marca de roupas em Diadema @Arquivo Pessoal

A mãe dele tinha uma gráfica e isso estimulou ele a querer ter o próprio negócio. “Ela começou sozinha, sempre trabalhou muito, batalhou e empreendeu na área”, explica Mateus.

O nome da empresa já estava dado, “Halley”, que faz menção ao cometa, que passa pela terra a cada 76 anos. O jovem conta que usou a internet para aprender a mexer nos programas de edição, vídeo e até o layout do próprio site.

“Aprendi tudo na raça, fuçando no computador e hoje em dia eu desenrolo”, conta Mateus. Como próximo passo, ele está empenhado em lançar uma loja física. No momento, a Halley vende apenas camisetas, mas a ideia é ampliar o catálogo.

Quem ajuda os empreendedores?

Segundo o IBGE, empreendedores negros possuem menor salário se comparado aos brancos. Para tentar minimizar essa situação, moradoras de Guarulhos criaram o Pretos em Conexão, um coletivo que nasceu no município levando o ensinamento da economia criativa para o desenvolvimento econômico e social da população negra.

“Guarulhos é uma cidade de 1 Milhão e 600 mil habitantes, um dos maiores PIBs do país e a gente não tem um projeto para negros? Precisamos de soluções para os territórios”, provoca Rafaela Hilário, uma das idealizadoras do projeto que propõe justamente essa ‘solução’ .

Patricia e Rafaela criaram Pretos em Conexão @Arquivo Pessoal

Patrícia e Rafaela Hilário, mãe e filha, são as criadoras do projeto que, inicialmente, era focado na educação com um curso de letramento racial via WhatsApp, com o objetivo de adentrar assuntos sobre história, cultura e estrutura social.

A ideia não parou por aí. Elas perceberam que podiam explorar mais a temática e, a partir de uma necessidade, criaram o curso “Empreendedorismo Negro”, realizado de forma online.

“Todo mundo como empreendedor negro tem ideias inovadoras e que realmente impactam na sua região. Isso porque são ideias que vem de demanda e não de lucro”

Rafaela Hilário, da Pretos em Conexão

Rafa percebeu que as principais dificuldades destes empreendedores estavam em como comunicar a marca, como estipular preços e formas de pagamento. Em 2022, 30 empreendedores foram formados em temas como gestão de negócios, a importância da comunicação e finanças para as empresas.

Atualmente, o coletivo conquistou uma casa que precisa ser reformada para atender mais de 10 mil pessoas por ano. Apelidada de “casa de atividades”, tem a missão de ser um espaço de construção da cidadania e criatividade para a população negra, que corresponde 45% dos habitantes de Guarulhos.

Eles contam com a ajuda de voluntários que apoiam o projeto com doações. É possível colaborar com o “Pretos em Conexão” pelo pix: [email protected]

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Amanda Oliveira

Jornalista, pós-graduada em comunicação e marketing e autora do livro reportagem: Liberdade Roubada- O drama de pessoas que foram presas injustamente. Causas sociais, direito de igualdade/equidade a motivaram a fazer jornalismo.

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