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População da zona sul é a que menos consegue emprego perto de casa

48% da população diz não encontrar oportunidades; quem consegue, divide expediente com eventos, entregas e até aulas de MMA. Conheça histórias

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Por: Redação

Publicado em 19.02.2019 | 15:03 | Alterado em 19.02.2019 | 15:03

Tempo de leitura: 5 min(s)
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Jardim Santa Bárbara, no distrito do Grajaú, extremo sul de SP (Tiago Ferreira/32xSP)

Em 2018 aumentou a percepção de que faltam oportunidades de trabalho próximas às pessoas que moram nas periferias, principalmente nas regiões norte e sul de São Paulo.

Dados da pesquisa “Viver em São Paulo: Trabalho e Renda”, divulgada nesta terça-feira (19) pela Rede Nossa São Paulo, em parceria com o Ibope, revelam que 48% da população da zona sul não encontraram nenhuma oportunidade de trabalho na região em 2018 — um aumento de cinco pontos percentuais comparado ao ano anterior.

No Jardim Santa Bárbara e Parque América, no distrito do Grajaú, extremo sul da capital paulista, alguns paulistanos consideram trabalhar na região e listam como principal vantagem a proximidade.

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O problema, além da informalidade, é a questão salarial. De acordo com o Mapa da Desigualdade, também da Rede Nossa São Paulo, a remuneração média de um morador do Grajaú é de R$ 1.852, 28 — um pouco menos do que dois salários mínimos.

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Claudia Nascimento trabalha como cabeleireira em um salão a dez minutos de casa e complementa sua renda com eventos e parceria com fotógrafa (Arquivo pessoal)

Para ultrapassar essa média, Claudia Nascimento, 37, cabeleireira no salão Yume, precisa complementar a renda de outras formas.

“Eu faço parceria com uma amiga fotógrafa como cabeleireira e participo de feiras e eventos, trabalhando com ações promocionais”, diz.

O salão fica a dez minutos de distância a pé da casa de Claudia. Sem despesas de aluguel, ela conta que economiza com meio de transporte e com alimentação. Gastos com alimentação é o que mais impacta o orçamento doméstico para 43% dos entrevistados da pesquisa “Trabalho e Renda”.

“Só que tem um porém”, pontua Claudia, que já trabalhou em salões de cabeleireiro em Moema e Campo Belo.

“O bairro exige que eu tenha maior disponibilidade, comparado aos bairros centralizados. Tenho que esperar a cliente ir ao supermercado, dar banho no cachorro, fazer comida para o esposo… Não consigo ter um horário e cumprir alguns compromissos com amigos, por exemplo”
Claudia Nascimento, cabeleireira

Profissionais liberais, como Claudia, podem ter boas oportunidades na periferia. No entanto, para Fábio Mariano Borges, doutor em sociologia do consumo (ciências sociais) pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), o poder aquisitivo do entorno tende a limitar o número de clientes e serviços.

“Este profissional tem limites de atendimento, porque o entorno define o preço. Se estivesse em um bairro como o Jardins, por exemplo, poderia colocar adicionais pelo serviço e não precisaria de complemento”, analisa Borges.

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OCUPAÇÕES ALTERNATIVAS

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Marcos Vinicius Costa (centro) dá aula de artes marciais em três dias da semana, mas tira maior parte de sua renda como motorista de aplicativo (Arquivo pessoal)

Marcos Vinicius da Costa, 30, teve diversos trabalhos esporádicos na região em que mora, no Jardim Santa Bárbara. Ele trabalhou como entregador de lanches e pizzas, de bicicleta, e, até hoje, divide a ocupação principal como motorista de aplicativo com a de professor de artes marciais em academias do bairro.

“Eu não conseguiria, hoje, viver com os trabalhos que faço no meu bairro, então tenho que buscar outras alternativas”, diz. “Meu trabalho é mesmo só para complementar a renda.”

Além de dar aulas de MMA (artes marciais mistas) e muay thai em academias pela região, seis vezes por semana, Costa também é árbitro e competidor.

Por mais que se dedique a lutar e competir, Costa diz que o trabalho diário como motorista de aplicativo é essencial em sua renda, e cita a queda do emprego formal após a reforma trabalhista como principal motivo para procurar ocupações alternativas.

Segundo a pesquisa, no último ano, o desemprego tem atingido mais os homens nas periferias: atualmente, 56% deles estão sem alguma ocupação. Em 2017, este número chegava a 42%, contra 58% de mulheres desempregadas.

EMPREGO NA PERIFERIA

Borges elenca três tipos de profissionais que podem trabalhar perto de casa nas periferias: os que atuam em indústrias próximas do bairro, como metalúrgicos ou tecnólogos; profissionais liberais, que dependem da demanda de serviços na região (cabeleireiro, manicure, diarista etc.) e, muitas vezes, procuram rendas complementares; e os profissionais de serviços que trabalham em estabelecimentos próximos, como padarias, shoppings ou mecânicas.

É o caso de Luiz Carlos Silva, 50, morador do Jardim Santa Bárbara, que trabalha há 12 anos na Fred Car, estabelecimento a uma quadra de sua casa.

Embora não tenha carteira assinada, Silva diz receber de três a quatro salários mínimos. Diferentemente de Claudia ou Costa, o mecânico não faz serviços extras para complementar a renda.

Silva é o funcionário mais antigo da oficina e um dos poucos a receber esta faixa salarial sem ter que cruzar a cidade.

“A desvantagem é que eu fico preso ao bairro. Se eu sair hoje de ônibus, sozinho, não conheço mais nada”
Luiz Carlos Silva, mecânico

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Luiz Carlos Silva, 50, trabalha há 12 anos na Fred Car, mecânica do Jardim Santa Bárbara, e recebe de três a quatro salários mínimos (Arquivo pessoal)

Ainda segundo o levantamento, um morador da zona sul demora, em média, 1h37 no transporte público só com locomoção para o trabalho.

Por volta de 1990, Silva lembra que a demora era ainda maior. Quando trabalhava em uma fábrica de ursos de pelúcia no Socorro, passava uma hora no trânsito em um percurso de apenas 10 km.

Depois disso, teve experiência como metalúrgico em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, e como vendedor em uma loja de eletrodomésticos, no Shopping Interlagos, na zona sul de SP.

“Nunca quis trabalhar como vendedor, mas era o que tinha na época. Fiquei lá por oito anos”, conta.

Com a rescisão da empresa, investiu os R$ 15 mil recebidos na paixão de trabalhar com carros. O negócio deu certo somente por dois anos, quando construiu em sua própria garagem uma loja de autopeças.

“Foi um dinheiro perdido”, relembra. “O bom é que comecei a procurar trabalhar só com isso, então arrumei emprego em uma mecânica”.

Em quase duas décadas como mecânico, Silva não vê a profissão como possibilidade de ascensão social no bairro. “Geralmente querem contratar funcionários para ganhar, no máximo, R$ 1.500. São poucos que ficam muito tempo em um mesmo lugar”.

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Para o sociólogo Fábio Mariano Borges, esse cenário se repete em outras regiões porque um profissional de serviços que atua nas periferias geralmente não precisa de uma formação especializada, como uma graduação, por exemplo.

“Para esse profissional, trabalhar perto de casa oferece vantagens, mas ele pode ter limites para crescer na carreira”
Fábio Mariano Borges, sociólogo

No caso de Silva, demorou mais de uma década para evoluir para a próxima etapa profissional. Há cerca de dois meses, ele tornou-se um dos sócios da Fred Car, que possui quatro funcionários e média de receita mensal de R$ 25 mil.

“Hoje eu entendo mais por que não registram as pessoas que trabalham no bairro. São muitos impostos. Se assinasse a carteira de todo mundo, patrão teria prejuízo”, conclui o mecânico.

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