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'Colocamos a arte na rua porque acreditamos na potência que isso tem', diz Roni Evangelista

Cria de Cotia, o artista inova na produção dos lambe-lambe, na moda e no fanzine para colorir.

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Fabio Setti

Por: Halitane Rocha

Notícia

Publicado em 22.09.2021 | 14:41 | Alterado em 01.06.2022 | 14:26

Tempo de leitura: 4 min(s)

Nas ruas, em roupas ou em fanzines para colorir, é possível encontrar a cara bolada de Tiêta, personagem criada por Roni Evangelista, 24. Criado nas periferias de Cotia, na Grande São Paulo, o artista de rua ficou conhecido pelos lambes-lambes colados pela região, desde 2016. É também criador da marca Jaco 1000 Grau, onde customiza roupas garimpadas em brechós com sua criação.

“Não tenho pronta entrega. Cada roupa é pintada à mão e muitas vezes leva mais de um dia para fazer uma única peça. Isso tudo agrega valor em questão de exclusividade”.

Tiêta surgiu como uma representação da mãe dele, na época em que ela foi diagnosticada com câncer de mama e estava debilitada.

Como ela faz o tratamento no centro [de São Paulo] e demorava muito pra chegar no médico, eu fui colando no percurso que ela levava de casa para o hospital”, lembra Roni.

“Na Tiêta, eu depositei a força que acreditava que mainha tem. Ela estava sempre com uma cara bolada, peito de fora e uma cicatriz no peito, a mesma que minha mãe adquiriu durante o processo de tratamento”, afirma.

Depois de um ano e meio, a mãe finalizou o processo de quimioterapia e se recuperou da enfermidade. Do lado de Roni, a vida artística começava.

“A Tiêta ficou pra iniciar essa minha caminhada. Me abençoar para que eu continuasse e entendesse a rua como espaço político e de afeto também.”

O artista cita alguns exemplos do que é lambe-lambe:

“Alguém já viu por aí “Compra-se ouro”, “Trago a pessoa amada em sete dias”, “Lavo o seu sofá”. Aqueles cartazes gigantes tipo “Show da [Mc] Menorzinha no Cotia Hall”, “Show do Pixote”.

O lambe-lambe é uma técnica de colagem onde se utiliza o papel e a cola como principais materiais. Elas estão coladas em paredes e postes, por exemplo, e ressignificam a cidade.

Quando Roni iniciou os trabalhos na rua, o foco era chamar a atenção da mãe, mas logo isso começou a mudar.

“A galera do pixo, do grafite e do lambe, começou a entrar em contato comigo e em pouquíssimo tempo, já tive um retorno muito louco.”

Roni Evangelista começou em Cotia a fazer trabalhos com lambe-lambe @Fabio Setti

Desta forma, Roni conheceu outros artistas e iniciou uma troca de trabalhos. “Recebo trabalhos de outros artistas, mando para outros colarem na quebrada deles. Esse movimento é quase mundial. Já tive trabalho meu colado em lugares que eu nunca fui, até fora do Brasil”.

Mesmo que o lambe-lambe ainda não seja visto com bons olhos, Roni segue trabalhando com a arte urbana. Para ele, é a única forma de que os talentos criados nas periferias ganhem força.

“A gente está colocando o nosso trabalho na rua porque não vão vir aqui descobrir a gente, dar uma carteirinha na nossa mão e depois disso a gente ser artista. Estamos colocando o nosso trabalho na rua porque a acreditamos na potência que isso tem.”

Moda negra e periférica

A relação do Roni com a arte começou quando era criança e desenhava Goku, Yu-Gi-Oh, entre outros personagens de desenhos animados.

“Nunca me relacionei bem com os meninos da minha idade e as amigas da minha irmã eram velhas demais para brincar comigo. Nesses espaços de solidão eu comecei a desenhar.”

Aos 14, começou a desenhar roupas e tinha programas de música da televisão como referência.

Mas quando ganhou uma bolsa de estudos para o curso Desenho de Moda, aos 17, percebeu o quanto o racismo estava impregnado nos desenhos.

“Foi o momento em que me veio diversos questionamentos. As pastas de desenhos que eu havia feito [por três anos], eram compostas em sua maioria por pessoas brancas”.

Roni estudou moda na adolescência @Iwintolá

Essa percepção fez com que o artista se reinventasse. “Iniciei o processo de desapego de tudo que eu entendia como bonito até criar a Tiêta”.

“Ainda não acredito que me descobri 100% mas tenho muito orgulho de hoje fazer algo que tem um sentido para minha vida, coisa que antes não tinha.”

Roni ainda aponta para muita desvalorização com os profissionais da moda negros e das periferias.“Dão o dinheiro que for na loja de departamento do shopping, mas acham caro o trabalho do artista independente.”

Sobre a Jaco 1000, Roni levava as roupas à capital para expor na rua, mas acabou mantendo a divulgação apenas nas redes sociais: “Morando no fundão, o traslado era algo muito cansativo, subir e descer do busão com arara e mala era algo bem desgastante.”

Zine criado por Roni Evangelista @Arquivo Pessoal

PARA COLORIR

Pensando em um jeito de expor o seu trabalho, sem precisar lidar com esse cansaço, o artista lançou o fanzine para colorir. “Com o zine, eu consigo circular meu trabalho na rua, em grande quantidade e andar por diferentes lugares.”

O zine é um livrinho para colorir com 6 ilustrações autorais, contando com um pôster na parte de trás.”

Depois das paredes, postes, roupas e zines, Roni agora estuda tatuagem. “Acredito que em breve terá tinta na pele também”, ressalta.

São todas formas que Roni tem encontrado para também garantir renda com o trabalho artístico.

“Nós artistas pretos dessa base temos que nos lembrar diariamente que temos valor sim. Eu trabalho pelo mesmo motivo que todo mundo trabalha, quero receber por ele e não me sentir ambicioso por conquistar o que deveria ser o básico.”

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Halitane Rocha

Produtora do podcast Próxima Parada e correspondente de Cotia desde 2018. Mãe de gêmeas e 2 gatas. Família preta e do axé… muita treta!

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