O talento na cozinha herdado da mãe e da avó foi o que garantiu a Altair Cláudio Gonçalves, 31, voltar ao mercado de trabalho.
Morador do Itaim Paulista, no extremo leste de São Paulo, ele perdeu o emprego de atendente em uma empresa de telecomunicações. Foi quando decidiu abrir o próprio negócio: uma boleria caseira na garagem de casa.
Embora tenha aprendido a fazer bolo com a mãe, Altair afirma que tudo começou quando uma amiga disse a ele sobre um curso gratuito, perto de casa, para se profissionalizar na área.
“Não conhecia a escola, mas acreditei que daria certo. Eu tinha um aluguel para pagar e outras contas que ficaram, e só a minha esposa trabalhava”, lembra Gonçalves.
Mas não foi só Altair que, no Itaim Paulista, perdeu o emprego e teve de apostar no próprio negócio. Ele é um dos 13 mil microempreendedores cadastrados no distrito. Na região, houve um aumento de 39,6% em 2019, comparado ao ano anterior, de acordo com a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico e Trabalho.
O aumento foi maior do que na região metropolitana, onde houve um salto de 25% em 2019 – são 1,2 milhão de pessoas enquadradas no sistema.
Para começar a empreitada, o investimento foi de R$ 1.000, que pagou com parte da rescisão do emprego anterior. Comprou um balcão semi novo e ingredientes. Para não pagar aluguel, montou a bolaria na garagem de casa e na hora de fazer o bolo usa a própria cozinha. Vende cerca de 120 bolos na semana, por valores entre R$ 10 a R$ 20.
“Sem um trabalho de carteira assinada, preciso garantir meus direitos e com o MEI tem a cobertura de benefícios do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Ou seja, uma proteção em caso de acidentes”, afirma Gonçalves. “Todo mês pago o boleto”.
O número de microempreendedores individuais (MEIs) no país ultrapassou em 2019 a marca de 9 milhões. Somente no estado de São Paulo, há 2,5 milhões de microeempreendedores.
O crescimento no número de MEIs está ligado a dois perfis, afirma o economista Marcelo Lopez, professor de empreendedorismo da USP (Universidade de São Paulo). Um deles são as pessoas que tinham o sonho de mudar de vida e estão insatisfeitas com a rotina dos atuais empregos. O outro são aqueles que identificaram uma boa oportunidade de negócio.
“Hoje, 30% dos brasileiros empreendem por necessidade e 70% por oportunidade”, comenta. Apesar disso, ele alerta que é preciso cautela. Entre os economistas é comum o pensamento de que um recente empreendedor pode chegar à falência mais cedo. “É preciso ter um pé no chão e não sair gastando todas as economias”, conta Marcelo.
Parte desses novos empreendedores são na verdade profissionais que não encontraram a opção de uma vaga via CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Desempregado, o bikeboy Lucas Ferreira, 28, aderiu ao sistema para trabalhar fazendo entregas de bicicleta por meio de aplicativos de delivery. Ele perdeu o emprego numa pizzaria há dois anos, mas ainda almeja voltar ao mercado com carteira assinada.
Morador do Jardim Kemel, na zona leste, ele conta que chega a pedalar 40 km por dia. “Às vezes dá R$ 50 ou R$ 80 por dia. Mas é muito cansativo. Debaixo de sol ou chuva. Queria mesmo era arrumar um emprego registrado. Daí eu deixava esse trabalho mais para o fim de semana”, diz o entregador.
MEIs (Microempreendedores individuais na Grande São Paulo) | |||
Cidades | 2018 | 2019 | Alta % |
GUARULHOS | 58.522 | 77.425 | 32,3 |
BARUERI | 12.210 | 15.971 | 30,8 |
GUARAREMA | 1.131 | 1.472 | 30,2 |
MAUÁ | 13.906 | 18.004 | 29,5 |
SANTANA DE PARNAIBA | 5.124 | 6.627 | 29,3 |
CAIEIRAS | 4.100 | 5.272 | 28,6 |
CARAPICUIBA | 15.475 | 19.895 | 28,6 |
ITAPEVI | 8.049 | 10.327 | 28,3 |
DIADEMA | 15.952 | 20.437 | 28,1 |
ITAQUAQUECETUBA | 11.157 | 14.283 | 28,0 |
OSASCO | 31.281 | 40.043 | 28,0 |
SAO BERNARDO DO CAMPO | 34.108 | 43.618 | 27,9 |
COTIA | 10.595 | 13.539 | 27,8 |
ARUJA | 3.077 | 3.928 | 27,7 |
SANTO ANDRE | 30.496 | 38.927 | 27,6 |
TABOAO DA SERRA | 12.083 | 15.416 | 27,6 |
FERRAZ DE VASCONCELOS | 6.437 | 8.166 | 26,9 |
JANDIRA | 4.286 | 5.423 | 26,5 |
SAO CAETANO DO SUL | 8.131 | 10.214 | 25,6 |
FRANCISCO MORATO | 5.416 | 6.790 | 25,4 |
RIO GRANDE DA SERRA | 1.530 | 1.917 | 25,3 |
RIBEIRAO PIRES | 4.707 | 5.879 | 24,9 |
SAO PAULO | 603.955 | 754.236 | 24,9 |
MOGI DAS CRUZES | 19.061 | 23.793 | 24,8 |
SANTA ISABEL | 2.154 | 2.685 | 24,7 |
FRANCO DA ROCHA | 4.878 | 6.078 | 24,6 |
MAIRIPORA | 3.589 | 4.464 | 24,4 |
CAJAMAR | 3.204 | 3.969 | 23,9 |
VARGEM GRANDE PAULISTA | 2.054 | 2.532 | 23,3 |
POA | 5.212 | 6.418 | 23,1 |
EMBU | 10.637 | 13.076 | 22,9 |
SUZANO | 13.168 | 16.174 | 22,8 |
ITAPECERICA DA SERRA | 6.592 | 8.092 | 22,8 |
EMBU-GUACU | 2.577 | 3.150 | 22,2 |
PIRAPORA DO BOM JESUS | 786 | 953 | 21,2 |
SAO LOURENCO DA SERRA | 566 | 665 | 17,5 |
BIRITIBA-MIRIM | 1.406 | 1.629 | 15,9 |
SALESOPOLIS | 770 | 887 | 15,2 |
JUQUITIBA | 1.189 | 1.340 | 12,7 |
Total | 979.571 | 1.233.714 | 25,9 |
Há dois anos, Ferreira envia currículos. “Logo que fiquei desempregado, me sugeriram unir o útil ao agradável. Eu amo andar de bike, mas quando se trata de entregas é diferente. Não é fácil”, conta.
Para entrar no ramo Ferreira foi obrigado a tirar o MEI que garante o registro em aplicativos de entregas que exigem CNPJ para o cadastro de entregador. “É bom porque nesse ramo tem vários acidentes, e pagando todo mês o boleto, garanto meus direitos”, conta.
Quando começou nesse ramo, o entregador usava a bicicleta, mas há três meses, foi roubado. A única opção foi pegar emprestado a magrela de um amigo.
No momento, ele diz que a meta é conseguir prestar um vestibular na área de administração ou educação física e comprar uma moto para aumentar o número de entregas. Por enquanto, o curso universitário ainda esbarra no financeiro. Por mês, ele tira cerca de R$ 1.500 a R$ 2.000, suficiente apenas para sustentar a casa.
Danielle Lobato
Jornalista, correspondente de Itaim Paulista desde 2016.
Itaim Paulista, São Paulo