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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Cleberson Santos

Notícia

Publicado em 07.07.2023 | 18:34 | Alterado em 10.07.2023 | 16:17

Tempo de leitura: 4 min(s)

“Ele era a revolução do momento”, é como a MC Ktrine, 21, define a influência de MC Daleste, um dos principais nomes do funk da última década. O cantor teve a vida e a carreira de sucesso, com hits como Angra dos Reis e Mina de Vermelho, interrompida por dois tiros que o vitimou em cima do palco em Campinas, no interior de SP, há exatos dez anos.

A data do crime, que até hoje não foi solucionado pela justiça, passou a ter um novo significado desde 2016. A partir de um projeto de lei da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB), o dia 7 de julho, em São Paulo, passou a ser considerado o Dia Estadual do Funk.

Muita coisa mudou na cena do funk na última década. Os clipes do gênero se transformaram numa indústria capaz de gravar superproduções. Algumas marcas finalmente reconheceram o público funkeiro como potenciais consumidores, como a música de funk (Tá Ok, de Kevin O Chris), a mais ouvida do país. Mas ainda há muita discriminação.

“A discriminação com a arte de rua nunca vai acabar. Mas hoje em dia até quem discrimina vai ter que aceitar. A gente tá tocando em todos lugares, então discriminando ou não vai ter funk tocando aí nos alto-falantes”, defende Ktrine, nome profissional da Yasmin Bonfim.

MC Ktrine, nome profissional da Yasmin Bonfim @Reprodução

Moradora de Mauá, no ABC Paulista, Ktrine se tornou MC há um ano, mas tem uma relação com o funk desde a infância, quando tinha 11 anos e Daleste estava bombando com o início da ostentação em São Paulo.

“Sempre postei vídeo no Facebook cantando, desde 2013, 2014. Só que eu cantava rap, pegava bases no Youtube e fazia alguma letrinha. Minha avó era evangélica, ‘brecava nóis’ de ouvir funk. Só em 2015 que comecei a canetar umas letrinhas e soltar uns funks conscientes”, conta.

“Daleste tem influência na formação de todo MC que veio depois dele. Até hoje, se a gente parar para ouvir as músicas, é uma parada muito atual. Parecia que ele tava muito à frente do tempo dele. Ele era a formação no funk para mim”

MC Ktrine, moradora de Mauá, no ABC Paulista

Thaynah Gutierrez, 24, também começou a ter uma relação mais próxima com o funk na época do sucesso do Daleste na cena. Com 13 anos na época, a moradora de Ermelino Matarazzo, na zona leste da capital, já curtia os hits do MC no computador do irmão mais velho.

“Sou apaixonada pelo funk desde que me entendo como gente”. Para ela, o MC Daleste foi um grande expoente para o ritmo por conseguir transitar pelas várias vertentes que haviam dentro da cena.

“Ele deu o tom da multiplicidade do funk em São Paulo porque essas vertentes da ostentação, da putaria, do proibidão e do consciente, não nasceram uma atrás da outra, as coisas eram muito conectadas. O Daleste exemplificava isso, ele circulava por essas vertentes, era respeitado em todas elas, e conseguia fazer músicas muito boas em todas.”

Formada em administração pública, Thaynah estuda o funk consciente como herança ancestral da música negra, tanto no TCC dela na universidade quanto em editais públicos de cultura.

Thaynah entende a existência do dia do funk como uma movimentação para reconhecer o movimento e o caráter político que o ritmo sempre teve.

“É muito importante ter esses marcadores para fazer memória e justiça, e ao mesmo tempo fazer esse caráter de tamanho de movimento que o funk tem e pode ter”, afirma a jovem, que trabalha como assessora para projetos na área de direitos humanos.

Segundo ela, é inegável o crescimento do funk na última década, porém o movimento ainda não conseguiu se organizar como política pública neste período.

Ela cita o exemplo do hip-hop, que graças à organização e luta dos artistas da cena, conseguiu colocar o ritmo no calendário da cidade e até na criação de casas de cultura focadas no movimento.

“Falta a gente lutar por essas diretrizes para pensar qual vai ser a política pública do baile, como criar um equipamento público para caber o baile, para ter rodas de conversa sobre o funk, dança, arte performática, edital de fotografia. Tudo isso acontece de forma independente no funk, mas sem apoio governamental”

Thaynah Gutierrez, moradora Ermelino Matarazzo

“Hoje a cena funkeira opera nas brechas das outras políticas públicas que foram conquistadas pelos outros movimentos, mas não tem uma conquista para o funk, e é essa a agenda que a gente precisa abrir”, afirma Thaynah, lembrando que só recentemente a linguagem do funk passou a estar presente nos editais públicos de cultura, como o VAI (Programa de Valorizaçãode Iniciativas Culturais) e o Fomento à Periferia.

Para ela, apenas ter o funk batendo de frente com o gênero dominante no Brasil, a música sertaneja, não representa uma vitória para todo o movimento.

“Você vê pequenos artistas que ainda não estouraram sem ter o que comer enquanto estão no estúdio produzindo música, ao mesmo tempo que você tem grandes artistas que têm quatro porsches na garagem pagos à vista”.

“Esse tipo de disparidade traz a explicação sobre a cena, que cresceu muito, de forma desmedida, mas sem um componente político que fizesse essa regulação, para cuidar que todo mundo tenha os mesmos acessos”, completa.

Embora o apoio público ainda não tenha chegado, o movimento continua se fortalecendo internamente. Um exemplo disso é Ktrine, que ainda não consegue sustentar-se apenas com sua música e trabalha em um carrinho de lanches em Mauá.

No mês passado, Ktrine teve a oportunidade de realizar seu primeiro show na vida, durante o Baile das Gêmeas, um evento realizado em uma renomada casa de shows na Barra Funda. Esse evento marcou também o lançamento do novo álbum da dupla Tasha e Tracie.

“Quando recebi o convite fiquei muito feliz, e a energia foi surreal, fui super bem acolhida pelo público, por elas também, pela equipe, foi maravilhoso. Sempre tive esse intuito de que o funk ia mudar minha vida, que um dia eu ia viver do funk. Daqui para frente, [a música] tá começando mesmo a ser trampo”, relata a MC.

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Cleberson Santos

Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.

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