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Entre a batina e o samba: padre da zona leste desfila no carnaval de SP

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Por: Giacomo Vicenzo

Publicado em 01.03.2019 | 18:39 | Alterado em 01.03.2019 | 21:28

RESUMO

Aos 77 anos, Rosalvino se divide entre igreja, o trabalho social e o comando de uma escola de samba, que desfila na terça-feira (5) pelo grupo de acesso

Tempo de leitura: 5 min(s)

Aos 77 anos, Rosalvino se divide entre igreja, o trabalho social e o comando de uma escola de samba, que desfila na terça-feira (5) pelo grupo de acesso

Com olhar sereno, fala calma e ótimo português, o padre espanhol Rosalvino Morán Viñayo, 77, se apresenta à Agência Mural em sua sala na Obra Social Dom Bosco em Itaquera, na zona leste de São Paulo. Concentrado, ele termina de assinar algumas folhas de contratos de estágio de alunos dos cursos profissionalizantes que estudam na instituição.

Antes que qualquer pergunta seja feita, ele dispara. “Nosso samba enredo este ano é paz amor e revolução. O inconformismo com o governo, com o militarismo, e uma democracia que respeite os direitos humanos e da juventude”, diz.

Viñayo é presidente do Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Dom Bosco, fundada em 2000, e que desfila neste ano no Grupo de Acesso 2. A principal ala terá como tema o cinema e a forma como a juventude protestou nos períodos de repressão na ditadura militar e a busca de novas conquistas.

“O samba no pé é um dos elementos da nossa cultura. Há uma mística, sabendo lidar tem espiritualidade. O movimento do corpo é algo nobre e bonito, para quem assiste e para quem desfila”, afirma o padre.

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Escritório é repleto de fotos alegres, sempre em atividades ou em encontros com políticos e pessoas públicas (Giacomo Vicenzo/Agência Mural)

Rosalvino divide o tempo entre a administração da Obra Social Dom Bosco, na qual é diretor e fundador do projeto, e as missas que reza sempre pela manhã na paróquia de Itaquera. “Eu rezo a missa todos os dias. Mas a minha veia mais forte é a social, isso que me fez ser padre, dar vida e oportunidade aos jovens”, comenta.

Foi em 1981 que o ritmo musical conquistou o padre que chegou em Itaquera para trabalhar na Paróquia de Nossa Senhora da Aparecida.

“Fui diretor de escola no centro de São Paulo por muitos anos. E a pedido do cardeal Dom Paulo Evaristo vim à periferia. No começo, o modo que encontrei para atrair a juventude foi uma pequena bateria e pandeiros e assim convencê-los que o mundo tem que ter disciplina, união e valores cristãos”, lembra Rosalvino.

Em pouco tempo, foram iniciados os projetos sociais que funcionavam em um barracão, e que mais tarde dariam vida à Obra Social Dom Bosco.

No ano de 1993, a sede do prédio em que funciona a obra foi construído graças à ajuda financeira doada por padres alemães. “Eles chegaram aqui e viram o projeto que eu tinha, a rapaziada que eu atendia e doaram o dinheiro”, comenta o padre.

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Aos 77, padre segue ativo; costuma ir todos os anos para Aparecida a pé (Giacomo Vicenzo/Agência Mural)

CHEGADA AO BRASIL

Aos 10 anos de idade, Rosalvino chegou ao Brasil com a família em 1953. A debandada da cidade de Leon, na Espanha, onde viviam como pastores de ovelhas, se deu por causa do regime militar de Francisco Franco, após a Guerra Civil Espanhola. “Meu pai esteve no paredão de fuzilamento, mas escapou. Ele tinha muitos amigos e na hora que dispararam alguém disse – hombre caía. Foi isso que o livrou da morte”, lembra.

A mãe faleceu na Espanha, por conta de uma queda acidental sofrida em uma escada. Após deixarem a Europa, Rosalvino, o pai, seis irmãos e uma irmã começaram a  trabalhar nos cafezais do Paraná. Após algum tempo, o pai enviou ele e outros irmãos para o orfanato salesiano (congregação da igreja católica) em Campinas.

Foi lá que Rosalvino, inspirado por um dos padres, entrou no seminário. Foi expulso quase ao fim do processo, por entrar em conflito com as ideias e costumes do local. Com a intervenção do padre Jonas Abib conseguiu se ordenar padre. “Eu gosto de pescar, de futebol e não concordava com tudo. Então alguns padres achavam que eu não tinha a vocação para a batina”, lembra aos risos.

Foi no seminário que tornou-se torcedor de coração do São Paulo. Em Itaquera, o Corinthians também tomou parte do seu coração. “Sempre apoiei a construção do estádio. Dei a benção na inauguração da Arena Corinthians. Quando entrei no campo alguém gritou da arquibancada que o padre era são-paulino”, lembra um tanto indignado.

Eu quero paz e amor
Um mundo novo sem ódio, nem rancor….
O brilho no olhar me faz sonhar
Dom Bosco em poesia vem cantar!
Ninguém vai me calar …. Liberdade!
Protestos em canções …. Brasilidade!
Movimentos culturais a Exalar
Na Tropicália a alegria está no ar!

Samba enredo de 2019

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Ensaio da escola. Frequentadores da Obra Social Dom Bosco desfilam no Sambódromo do Anhembi (Divulgação)

PADRE, SAMBISTA E REVOLUCIONÁRIO

Há 38 anos morando e trabalhando com projetos sociais em Itaquera, Rosalvino lembra as primeiras lutas pela região na década de 1980’. “Quando chegamos aqui a primeira luta foi por asfalto e água, mas o Mário Covas, governador da época, nos atendeu”, diz.

Enquanto respondia às perguntas, Rosalvino puxa um envelope de baixo da mesa e tira de dentro uma pistola de plástico.

“Peguei isso de um menino que frequenta a obra. É de brinquedo, mas se apontam isso para você na rua, não dá para saber, né? Eu vi que o rapaz estava meio estranho e encontrei ele com isso debaixo da camiseta. Não existe criança tão estragada que não possa mudar com uma mão estendida”, pontua.

Logo que chegou na região de Itaquera, era tempo da chamada “Rota na rua” e o padre recorda das intervenções que já fez. “Muitas vezes os policiais encurralavam a rapaziada, eu intervia sempre. Dizia ‘esse não, eu vou cuidar dele, pode deixar’ Eu não acobertava ninguém, mas orientava que saíssem dessa vida atrapalhada”, comenta.

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“Alguns me dizem que sou revolucionário. Já fui de briga, de movimentos populares de ocupação. Mas naquela época que cheguei aqui, ou se militava ou não se fazia nada”, completa.

CONSELHOS

Rosalvino anda pela obra, é quase hora do almoço e os alunos estão reunidos, ele passa e é cumprimentado por muitos. “sempre aconselho a meninada. Eles me escutam, costumam dizer ‘o padre tá certo. O padre é nois’“, diz aos risos. “Sou um padre que não está morto, né? Eu gosto do que a meninada gosta.”

Rosalvino sempre desfila na escola de samba que é presidente. Aos 77 anos, esbanja vigor e a marca registrada é o jaleco branco.

Ele admite que um dos sonhos é ver a escola subindo para o grupo especial, que é televisionado. Apesar de não ser o compositor do samba-enredo, ele afirma que sempre dá uns palpites. “Será que o gigante acordou? Meu carnaval é revolução. Juventude em transformação”, recita o verso final da melodia carnavalesca.

Mesmo com os oito carnavais já vividos pela escola, Rosalvino confessa que levar os jovens ao Anhembi é sempre uma emoção. “É muito bom ver a rapaziada da periferia ocupando o sambódromo. Quando a porteira abre, falo junto com eles – Dom Bosco chegou mano.”

O desfile do Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Dom Bosco será na terça-feira (5) às 04h20 no Sambódromo do Anhembi.

Giacomo Vicenzo é correspondente de Cidade Tiradentes
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Giacomo Vicenzo

Jornalista. Acredita no jornalismo como ferramenta de transformação social. Iniciou sua carreira profissional no Datafolha, já publicou no UOL TAB e Revista Galileu. Gosta de contar e ouvir boas histórias. Adora seus gatos de estimação e não consegue viver sem senso de humor. Correspondente da Cidade Tiradentes desde 2018.

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