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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Simony Maia

Notícia

Publicado em 16.04.2024 | 10:42 | Alterado em 16.04.2024 | 17:01

Tempo de leitura: 4 min(s)

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“Eu me sinto amada por essa turma da periferia. Posso morrer feliz, porque o que eu pude doar, doei”. É assim que a artista plástica Ordalina Cândido, 78, resume toda uma vida de trabalho comunitário e artístico em Diadema, no ABC Paulista.

Com seus pincéis, ela denunciou desigualdades, violências e mostrou as potências da vida nas quebradas do município. Foi reconhecida no meio artístico mas, sobretudo, ajudou a seus vizinhos a se reconhecerem e serem reconhecidos como sujeitos de direito.

“Eu queria fazer os meninos da rua gostarem de arte, então comecei a retratar a realidade deles”

Ordalina Cândido

A artista se dedica aos registros desde que chegou em Diadema, em 1960 – mais precisamente no Jardim Inamar, bairro a que dedicou parte de sua arte e seu trabalho.

Ela lembra que muitas das casas onde crianças e adolescentes viviam eram precárias, com banheiros ruins, falta de acabamento e até lama. Por isso, optou por retratar essa realidade em suas telas, para que os garotos daquela periferia se sentissem representados.

“Eu gosto de retratar a realidade. Eu acho que o povo [daqui] não se via representado”, comenta Ordalina, que também é arte-educadora e empreendedora social.

Favela em Piraporinha, exibida em exposição na PUC @Simony Maia

Arte, pra que te quero?

Ordalina nasceu em Cambará, no Paraná. A paixão da artista pela pintura começou quando ela ainda estava no seu estado de origem e estudava no Colégio Imaculada Conceição, uma instituição francesa que não aceitava alunos negros. “Eles falavam que os negros não tinham o mesmo QI dos brancos”.

Ela só conseguiu frequentar o colégio porque sua mãe foi contratada para trabalhar na casa de um senhor influente na região. “Eu tinha que ser a melhor em tudo para continuar lá”, lembra.

E foi na escola francesa que ela teve o seu primeiro contato com a pintura, inicialmente retratando “fazendas e jardins”, como ela mesma define suas obras na época.

Pinturas de favelas de Diadema em telas e madeira @Simony Maia

No entanto, quando chegou em Diadema, percebeu outra realidade e quis retratar a vivência daquele local. Mais que isso: quis ajudar a transformar a região.

E assim fez. Em 64 anos morando em Diadema, Ordalina avalia que conseguiu ajudar muita gente, seja através das suas pinturas, seja como cabeleireira, ofício que desempenhou grande parte da vida.

Entre tesouras e pincéis

No Jardim Inamar, em Diadema, onde morava, Ordalina chamava meninos que tinham envolvimento com o crime e ficavam nas ruas para ensiná-los técnicas de corte de cabelos.

A professora, como já é sabido, tinha mãos de artista. Tanto que chegou a abrir o seu salão, o “Ordalina Black and White”, com o qual sustentou a si e a sua família por anos. “Eu tinha que dar conta deles [meninos], da minha casa e de um marido que não gostava de nada disso”.

“Eram meninos sem perspectiva de vida. Eu falava que cortar cabelo iria ajudá-los a ter uma profissão”

Ordalina Cândido

Mesmo não trabalhando mais como cabeleireira, o seu legado continua: hoje ela dá nome a um projeto de certificação de cabeleireiros em Diadema, o “Ordalinos”, desenvolvido pela organização social Rede Cultural Beija-Flor, que atua no bairro diademense de Eldorado.

“Eu passei a minha vida tentando conquistar a confiança de cada menino da periferia”, conta. Este reconhecimento também veio. Comumente, jovens de Diadema mandam mensagens a ela agradecendo pelo apoio prestado ao longo dos anos.

“Hoje eu recebo mensagens desses meninos. Eles me contam do trabalho e me agradecem mesmo após tantos anos terem se passado”.

E no futuro, certamente receberá novas mensagens, já que hoje ela ensina técnicas de pintura para jovens pelo projeto Projeto Girassol, uma organização não governamental que atua com público infantojuvenil de baixa renda em Diadema.

Exposição “Empoderamento em Cores” disponível na Fábrica de Cultura de Diadema @Simony Maia

Artista social

Na caminhada de artista, um fato que marcou a história de Ordalina e a fez entender que estava no caminho certo. Foi em uma exposição de suas obras na PUC-SP, em 2002, com o sugestivo título “Favelas palco dos Sonhos”, no qual retratava a realidade do bairro Piraporinha, em Diadema.

“Todos ficaram impressionados perguntando se realmente era possível alguém morar em lugares como aqueles”.

Ordalina Cândido

Neste mesmo dia, um dos meninos presentes na exposição reconheceu sua casa e ficou extremamente feliz. “A autoestima dele subiu. Eu pensei: ‘Vou fazer mais casas, mais morros’”, relembra.

As obras da artista, com claras inspirações impressionistas, já foram vendidas na Noruega e Inglaterra. Ela conta que os estrangeiros acham as obras curiosas e alguns já vieram ao Brasil para conhecer as periferias de Diadema.

Mas sua maior recompensa não é o reconhecimento internacional. Após tantos anos de trabalho, ela comemora ter tido a oportunidade de ajudar a transformar realidades. “Eu não tenho dinheiro, mas sou rica. Até de rainha me chamam”.

Empoderamento em cores

As obras de Ordalina Cândido estão expostas na Fábrica de Cultura de Diadema, na mostra “Empoderamento em Cores”, até o próximo dia 17.

A exposição registra a diversidade de cores, traços e histórias que caracterizam a produção artística de Ordalina. Ela optou por exaltar a beleza de mulheres negras. “Eu queria mostrar para o povo as rainhas negras, já que elas sempre são embranquecidas na história”.

Exposição Empoderando Cores

Data: Até 17/4,  das  9h às 19h | Livre

Preço: Gratuito

Endereço: Fábrica de Cultura Diadema | Rua Vereador Gustavo Sonnewend Netto, 135, Centro – Diadema/SP

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Simony Maia

Jornalista que se aventura pelo universo das redes sociais falando sobre política, cultura e entretenimento. Em busca de sempre vivenciar novas trocas para contar boas histórias. Correspondente de Diadema desde 2023.

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