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Motoristas ainda não veem a bike como um meio de transporte, dizem ciclistas

Segundo pesquisa “Viver em São Paulo: Mobilidade Urbana”, 30% dos paulistanos usariam bicicletas caso se sentissem mais seguros na cidade

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Por: Redação

Publicado em 27.09.2018 | 14:18 | Alterado em 27.09.2018 | 14:18

Tempo de leitura: 4 min(s)
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Ciclovia da Faria Lima, na zona oeste de São Paulo (Rodrigo Jacinto/32xSP)

Há pouco mais de seis meses, no meio do viaduto Guadalajara, no distrito do Belém, na zona leste de São Paulo, um caminhão pipa fechou a bike do ciclista William Silva, 43, espremendo-o no canto até quase fazê-lo bater na mureta lateral da via. Ao ultrapassá-lo, Silva gesticulou para que o caminhoneiro notasse sua presença. “Eu achei que ele não tinha me visto”, conta.

Alguns metros à frente, já cruzando a avenida Celso Garcia, o mesmo caminhoneiro grudou em sua traseira, acelerando de modo hostil, jogando o farol alto e pedindo passagem.

As cenas seguintes trazem o ciclista e o caminhoneiro discutindo ao pé de um dos semáforos da via.

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“Conto essa história com muita tristeza, pois conheço amigos próximos que sofreram acidentes no trânsito devido à pressa dos motoristas e por falta de educação para com o modal”, diz Silva, que há quatro anos aderiu exclusivamente à bicicleta em seus deslocamentos por São Paulo.

O desrespeito dos motoristas e motociclistas figura como um dos principais motivos que afetam a vontade dos paulistanos em usar as vias cicláveis da cidade.

É o que mostra a pesquisa “Viver em São Paulo: Mobilidade Urbana na Cidade”, realizada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope e MOB Cidades. O estudo foi apresentado no último dia 18.

A pesquisa aponta que a segurança segue como ponto prioritário: 30% dos paulistanos disseram que utilizariam a bicicleta para circular pela cidade caso mais medidas de segurança fossem tomadas em prol dos ciclistas.

O receio pelo modal se justifica: 259 mortes envolvendo bicicletas foram registradas na Região Metropolitana, entre janeiro de 2015 e julho de 2018.

Os dados constam no Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito do Estado de São Paulo, o Infosiga. A maioria dos óbitos ocorreu em colisões entre ciclistas e automóveis. Quase 30% das mortes são de jovens com menos de 24 anos.

VOU DE BIKE, CÊ SABE

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João Alexandre Binotti, ciclista e morador da zona leste (Reprodução/Facebook)

No entanto, há ainda quem prefira a bicicleta para se deslocar no município. É o caso do balconista João Alexandre Binotti, 37, morador da Vila Jacuí, na zona leste. Ele pedala todos os dias até o trabalho, na Penha.

“Existem alguns pontos em ciclofaixas que os condutores ignoram a presença do ciclista, ignoram a sinalização do solo e, literalmente, ‘avançam na maldade’ para se impor”, conta Binotti. Para ele, “o ciclista da periferia é um desbravador e guerreiro”.

“Para sairmos do extremo da cidade, somos obrigados a conhecer caminhos íngremes, ruas estreitas, vielas, pontes, ruas de terra. Tudo para evitar o tráfego pesado de veículos e seus condutores que ainda não enxergam a bicicleta como um meio de transporte”
João Alexandre Binotti, 37, morador da Vila Jacuí

Vale lembrar que o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 29, estipula que “os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”.

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Além disso, em seu artigo 201, o documento define que o condutor deve guardar uma distância mínima de 1,5 metro do ciclista – o que nem sempre ocorre, conforme afirmam os ciclistas consultados pela 32xSP.

DA PONTE PRA CÁ

“Nas áreas centrais, o respeito ao ciclista é quase que uma obrigação, já nos extremos do município é apenas uma opção. Só quem já criou certa consciência exerce o papel de ‘proteger o mais fraco’”
Roberson Miguel, 39,  ciclista e técnico em informática

“Às vezes o mesmo motorista, da ponte para cá, nos trata de forma diferente”, completa Miguel, morador do Jardim Peri e também integrante do CicloZN, coletivo de ciclistas periféricos da zona norte de São Paulo.

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Roberson Miguel integra o CicloZN, coletivo de ciclistas periféricos da zona norte de SP (Reprodução/Facebook)

A pesquisa “Viver em São Paulo: Mobilidade Urbana” também aponta que 48% dos paulistanos avaliam de modo negativo a manutenção das ciclovias no último ano.

De acordo com os ciclistas consultados nesta reportagem, no entanto, para além da zeladoria, a falta de infraestrutura cicloviária, que ligue a periferia ao centro, é um dos maiores empecilhos para quem vive longe da região central e tem a bicicleta como principal meio de transporte.

Conforme a pesquisa “Perfil de quem usa a bicicleta na cidade de São Paulo”, elaborada pela Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo, a Ciclocidade, em 2015, a frequência de quem “raramente” ou “nunca” pedala em ciclovias ou ciclofaixas aumenta próximo às periferias.

O resultado disso são ciclistas – periféricos – disputando espaço em ruas e avenidas com todo tipo de veículo automotor.

“A oferta de ciclovias no centro é maior, ao passo que nas periferias é ainda muito pequena. Por isso me espanta quando falam em ‘ciclovias sem uso’ ou as comparam a uma espécie de orégano jogado a esmo na cidade”
William Silva, 43, ciclista

O episódio ao qual se refere o ciclista, ocorreu em abril quando o prefeito Bruno Covas (PSDB), em entrevista concedida a Rádio Eldorado, disse que desativaria “ciclovias que não têm uso”.

Naquele mesmo mês, em entrevista à rádio CBN, Covas disse que as ciclovias foram lançadas de forma aleatória na cidade como “orégano em pizza”.

“As conexões entre as ciclovias devem ser feitas. É estúpido, por parte da Prefeitura, não incentivar isso. Minha companheira, que também é ciclista, porém menos experiente, fica em pânico quando precisa dividir espaço com carros e caminhões”, reflete Silva.

“Nesse caso, ela deve ser menos incentivada a usar a bicicleta? Estamos pensando em políticas de continuidade e não de retrocesso”, emenda.

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Para Roberson Miguel, a periferia já criou certa tolerância. “Sabemos que teremos que acordar cedo e fazer tudo de novo. Ainda é preciso muito mais do que ciclovias para ligar a periferia ao centro: falta ônibus, falta metrô.”

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O ciclista e técnico em informática Roberson Miguel, morador do Jardim Peri (Reprodução/Facebook)

“No mais, nosso coletivo se mantém, fazendo o ativismo que melhor sabemos: pedalando todos os dias, insistindo em dividir [com os automóveis] a rua onde não há ciclovia. Só assim passamos o recado de que temos o direito e vamos exercê-lo, mesmo que para isso pintemos as ruas com o nosso [próprio] sangue”, conclui.

O município de São Paulo possui 468 quilômetros de ciclovias/ciclofaixas, segundo informações da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). No entanto, ainda não cobrem toda a cidade que soma 17 mil quilômetros de vias.

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