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Agência de Jornalismo das periferias

@Léu Britto/ Agência Muraal

Por: Jacqueline Maria da Silva

Notícia

Publicado em 04.08.2023 | 19:10 | Alterado em 11.08.2023 | 8:32

Tempo de leitura: 5 min(s)

“É a minha segunda vez aqui e quantas mais houverem eu estarei”, declara Anderson Awvais, 36, ilustrador e quadrinista, que saiu da periferia de Juiz de Fora, em Minas Gerais, para a zona leste de São Paulo, para expor suas ilustrações na Perifacon, a maior Convenção Nerd da Favela, que aconteceu no último dia 30 de julho, no Centro de Formação CulturalCidade Tiradentes.

O também ilustrador e quadrinista Yorhan Araújo, 34, veio de Volta Redonda, no Rio de Janeiro para participar do evento pelo segundo ano consecutivo. Desta vez, ele foi um dos selecionados para uma das 500 vagas de expositor. “No ano passado já teve uma diversidade muito boa no evento, mas esse ano está melhor, com artistas também do Norte do país. Isso foi bem legal”, diz.

Foi de lá que vieram duas artistas indígenas, especialmente para a convenção nerd. Uma delas é Tai, 32, como se identifica artisticamente. A jovem veio do bairro Umarizal, em Belém do Pará e classificou a Perifacon como um espaço de democratização e troca de ideias. “Por mais que a gente more em um centro, a gente entende muito como é ser excluído dos espaços por conta da distância e da dificuldade de viajar e de transportar materiais”, conta sobre os desafios da vida de ilustradora independente.

Tai se considera “artivista”, já que suas HQs dão luz aos indígenas que vivem em contexto urbano Léu Britto/ Agência Muraal

Já Raquel Teixeira de Souza, 27, fez a ponte aérea do bairro Cidade Nova, em Manaus, para a Cidade Tiradentes, em São Paulo. Ela acompanha o evento desde a primeira edição, em 2019, mas apenas este ano conseguiu juntar dinheiro para vir a São Paulo expor na feira.

Sem expectativas de retorno financeiro, mas com grandes perspectivas de encontrar outros artistas de periferias, a quadrinista acredita que saiu do evento com mais repertório. “São outras vivências, outras experiências e consequentemente outro tipo de arte, que eu busco para me inspirar”, fala animada.

Assim como Raquel, grande parte dos participantes fizeram seus corres para estar no evento. Sem patrocínio ou incentivo, o jeito foi tirar do próprio bolso o dinheiro para participar da Perifacon.

“Os eventos são concentrados no sul e no sudeste. Para a gente que mora no norte nordeste é uma dificuldade muito grande conseguir acessar esses espaços”, declara Tai.

Ainda assim, os artistas afirmam que todo trabalho valeu a pena, segundo eles. “Eu sei que se os organizadores pudessem, pagariam as passagens dos artistas convidados, como em eventos tipo Comic Con“, diz Yorhan, em referência a principal convenção de cultura pop do país.

Um dos sonhos do artista é criar um evento semelhante a Perifacon no interior do Rio de Janeiro. “Eu quero fazer um evento assim, que seja reconhecido nacionalmente, para os artistas irem também para a minha cidade”.

E, entre uma venda e outra, os artistas aproveitavam para conhecer expositores e conversar sobre a complexidade da vida em outras periferias do país. Para eles, a feira é uma oportunidade de divulgar seu trabalho e fazê-lo chegar de fato ao público. “É um evento que permite fazer meu trabalho chegar em espaços onde eu queria, mas jamais imaginaria estar “, relata Anderson.

Quadrinista Anderson Alvais saiu da periferia de Juiz de Fora para expor suas ilustrações na Perifacon Léu Britto/ Agência Muraal

‘Abrasileirando a Disney

A Perifacon é um dos maiores eventos de cultura pop de São Paulo, com um foco social bastante específico, que dá visibilidade aos artistas das periferias.

Por isso, Anderson conta que aproveitou o espaço para mostrar os resultados de um de seus projetos, o Folclore BR, que retrata personagens consolidados na indústria da animação americana a partir de uma releitura com personagens da cultura brasileira pouco conhecidos.

É assim que a Mulher Maravilha ganha outras nuances e é representada como a Mulher Maravilha Negra; ou a Pequena Sereia dá vida a Pequena Yara; e Elsa, personagem de As Aventuras de Frozen, se transforma na Mãe de Ouro, nas Aventuras Incandescentes – relembrando figuras do folclore nacional pouco conhecidas.

“A brincadeira de usar estas imagens é justamente para atrair a atenção das pessoas, levando elas de um lugar que já conhece para outro que é familiar, mas superficialmente”

Anderson Alvais, 36

O artista foi consultor da série Invisível, da Netflix, o que contribuiu com sua carreira, as-pesar da falta de incentivo do cinema brasileiro tem pouco investimento. “A representatividade ainda é focada em privilégio e higienização”.

Já Yorhan usa sua arte para dar visibilidade aos problemas do cotidiano de quem vive nas periferias. O artista levou à feira seu livro Ninguém é Perfeito, em que os personagens são representados por animais e por elementos comuns no dia a dia dos brasileiros, como o filtro de barro e caixotes de feira livre. “São tirinhas que tornam os problemas da nossa vida mais leves e com mais humor”.

‘A diversidade regional do evento é muito boa’, diz quadrinista Yorhan

‘Artivismo’ indigena

Direto da Amazônia, Tai diz que se considera uma “artivista”, já que seus HQs dão luz a problemáticas sociais que muito a incomodam, como o machismo, o racismo, a homofobia e, sobretudo, os desafios dos indígenas que vivem em contexto urbano.

A jovem pertencente ao território de Mairi, em Belém do Pará e faz parte da associação multiétnica Wyka Kwara, é descendente de povos indíegnas das regiões de Alenquer e Matapiquara, no mesmo estado. Ela conta que seus ancestrais viveram na pele o processo brutal de colonização.

“Muitos perderam o contato com seu povo, porque tiveram que migrar de seus territórios originários para outros lugares, seja para conseguir melhores oportunidades de vida seja por mais segurança, porque é muito difícil a vida nos interiores da Amazônia”, contextualiza, lembrando que seu povo vive em um constante situação de vulnerabilidade.

Já a amazonense Raquel, que pertence à etnia Sateré Mawé e mora na periferia do Amazonas, acredita que as diferenças entre as periferias do Brasil não são apenas geográficas, mas nas formas de viver das pessoas.

Para ela, é importante levar suas ilustrações para outros periféricos, pois a troca ajuda a desvendar o cotidiano das quebradas. “Eu nunca vou conseguir me apropriar de toda a vivência [de São Paulo] porque eu não sou uma pessoa daqui, da mesma forma que os artistas daqui nunca saberão representar totalmente a vida em Manaus”, detalha.

Sem patrocínio ou incentivo, a quadrinista Raquel pagou do próprio bolso para participar da Perifacon Léu Britto/ Agência Muraal

Além de trabalhar com jogos digitais, Raquel é quadrinista e escreveu o livro Mizuras, que apresenta contos urbanos e do interior do Amazonas. O livro foi lançado pelo Coletivo Iukytáias, um grupo de artistas da região norte do país.

Para lançar o livro, Raquel também contou com o apoio da campanha de financiamento do Coletivo Quadrinistas Indígenas, do qual Tai também recebeu suporte para lançar o livro Causos de visagens para crianças maluvidas, que retrata suas vivências indígenas e desmistificando preconceitos sobre personagens comuns ao contexto dos povos originário, comumente chamado de folclore.

Folclore é um termo geralmente pejorativo para uma coisa que é uma espiritualidade tão válida e tão importante quanto Jesus, Deus ou Buda”, diz, reforçando que é para combater esses preconceitos que produz arte.

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Jacqueline Maria da Silva

Jornalista formada pela Uninove. Capricorniana raiz. Poetisa. Ama natureza e as pessoas. Adora passear. Quer mudar o mundo e tornar o planeta um lugar melhor por meio da comunicação. Correspondente de Cidade Ademar desde 2021. Em agosto de 2023, passou a fazer parte da Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project.

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