APOIE A AGÊNCIA MURAL

Colabore com o nosso jornalismo independente feito pelas e para as periferias.

OU

MANDE UM PIX qrcode

Escaneie o qr code ou use a Chave pix:

[email protected]

Agência de Jornalismo das periferias

Por Karol Coelho | 29.07.2019

Reportagem: Aline Kátia, Humberto Muller, Luana Nunes, Lucas Landin, Lucas Veloso. Organização: Karol Coelho

Edição: Paulo Talarico

Publicado em 29.07.2019 | 12:38 | Alterado em 02.08.2019| 17:13

RESUMO

A Agência Mural verificou as condições de pontos de ônibus da Grande São Paulo; abrigos sem cobertura, pontos ‘invisíveis’ e falta de informações sobre linhas marcam a rotina de quem usa o transporte nas periferias

Tempo de leitura: 9 min(s)
NAVEGUE
COMPARTILHE

“As pessoas pegam ônibus ali”, afirma Elza Pereira, 55. Se não fosse por ela, não era possível saber disso. O local na estrada Engenheiro Marsilac, no sentido centro, não tem sinalização, totem, cobertura, nem mesmo calçada, para quem quiser ir para o sentido centro. Do outro lado da rua, há um antigo totem de madeira.

A cena vista no distrito de Marsilac, no extremo sul de São Paulo, não é incomum ao longo das periferias da capital e exemplifica os desafios de quem anda de ônibus em São Paulo. O bairro é o que tem menos pontos em toda a cidade, um total de 47, atendendo a população local de cerca de 8.400 pessoas. Porém, não há nenhum padrão nas paradas.

Encontramos Elza ao desembarcar no ponto final da linha 6L01-10 Marsilac/Terminal Varginha, na Praça Maria Nazareth da Costa. Visivelmente dando uma pausa na caminhada matinal, seu sorriso foi um convite para nos apresentarmos.

“Não gosto de São Paulo, mas gosto de Marsilac”, diz ela, que há 36 anos veio morar na capital por decisão do pai, que trouxe a família do Paraná por causa de trabalho. Juntos, caminhamos pela região.

Ela conta que, neste ano, moradores fizeram um abaixo assinado para melhorar a estrutura do ponto de ônibus que ela costuma usar, próximo de onde mora. No entanto, em pouco tempo, um acidente de ônibus destruiu a parada.

Image

Elza Pereira, 55, sentada no ponto de ônibus mais próximo à sua casa em Marsilac, extremo sul de São Paulo (Léu Britto/Agência Mural) @Léu Britto/Agência Mural

“Não sei como foi feito, mas fizeram um abaixo assinado e fizeram a cobertura, mas o vidro da frente do ônibus caiu e quebrou tudinho”, conta mostrando a parada próximo do km 49 da estrada.

Durante os meses de junho e julho, a Agência Mural conferiu a situação de pontos de ônibus da cidade de São Paulo e da região metropolitana, onde vivem 21 milhões de pessoas. Estruturas desgastadas, abrigos quebrados, modelos antigos e falta de informação sobre as linhas são alguns dos problemas encontrados nas periferias, enquanto nas regiões centrais as paradas são transformadas até mesmo em fliperamas para ações publicitárias.

Na capital, há exatos 20.018 pontos, segundo a SPTrans. Nas cidades da região metropolitana, a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) contabiliza 18 mil paradas de ônibus intermunicipais, o que não inclui os pontos municipais.

PONTO POR PONTO

DESIGUALDADE NA MANUTENÇÃO

Diariamente, a vendedora Ana Paula Santos, 24, pega o primeiro ônibus ainda de madrugada para seguir para o trabalho, na região da Cidade Jardim. O ponto de partida é em Parelheiros, extremo sul de São Paulo, na estrada da Barragem, onde os moradores contam com apenas uma linha de ônibus para chegar ao terminal mais próximo e dar continuidade na viagem: a linha 6L05/10 Terminal Parelheiros – Barragem.

Velho e com espaços entre as telhas, quando chove o local não serve de abrigo. Nunca foi reformado e teve alguns ajustes feitos pelos comerciantes locais. Não há banco para sentar e a placa está toda enferrujada.

“Parece que esqueceram desse ponto, se chove todo mundo precisa se ajeitar num lugar só por causa das goteiras. São anos sem manutenção. No outro não tenho coragem de ir, está tomado pelo mato”, Ana Paula Santos, 24, moradora de Parelheiros.

Ana Paula faz um percurso de aproximadamente três horas de viagem, cerca de 42km até o local de trabalho. Esse trajeto é feito em quatro baldeações de ônibus: 6L05 até Terminal Parelheiros; 6000 para o Terminal Santo Amaro; 6200 sentido Terminal Bandeira; e 8605 com destino ao Terminal Campo Limpo.

Image

Ana Paula, 24, no ponto de Barragem, em Parelheiros, o primeiro dos quatro que utiliza diariamente (Luana Nunes/Agência Mural) @Luana/Agência Mural

“Vejo muitos pontos durante o caminho, os dessa linha são os mais precários. Tem lugar que dava para ter cobertura e só tem o totem, quase nunca tem lugar pra sentar, se proteger do sol e da chuva, tem que esperar em pé mesmo e demora muito”, conclui.

Ana Paula passa por 115 pontos de ônibus. A primeira linha que utiliza contém 33 paradas e um fato curioso é que todos os pontos sentido centro (terminal Parelheiros) são cobertos, enquanto no lado direito apenas três pontos têm cobertura, sendo todos os outros totens.

Em Parelheiros estão 351 das paradas, atendendo a população local de mais de 150 mil pessoas, e no Grajaú, distrito próximo, há a maior quantidade da cidade: 490, onde há cerca de 280 mil moradores.

Depois do Grajaú, Itaquera é o bairro com mais pontos de ônibus. A região soma 428 deles e, à primeira vista, uma das coisas que mais chamam a atenção é a falta de padronização. Na avenida José Pinheiro Borges, ao lado do Shopping Metrô Itaquera, existem três pontos de ônibus diferentes, em um raio de um quilômetro.

O primeiro é de concreto e tem cobertura de telha metálica, com furos. O segundo é um poste amarelo e o terceiro é uma estrutura metálica marrom, com a identificação amarela dizendo que ali é uma parada, além do símbolo da acessibilidade, em azul.

Marilin da Costa, 38, moradora de Itaquera, usa ônibus praticamente todos os dias. Perto de sua casa tem um ponto que ela acha perigoso, por conta de usuários de drogas que ficam por ali. “Poderia ficar em outro local”, opina. Para ela, o local é conservado pela Prefeitura.

Morador do distrito A.E. Carvalho, Wanderley Santana, 21, costuma usar ônibus de duas a quatro vezes na semana. A linha mais usada é a 2727 rumo ao metrô Artur Alvim.

Para o atendente de telemarketing, a avaliação dos pontos é boa, porém muitos não têm cobertura em caso de chuva. Além disso, apenas dois ônibus da frota são novos, os demais são antigos e pequenos para atender a alta demanda de usuários.

“Acho que a prefeitura não faz a parte dela e a população também não colabora para manter limpo e conservado”, pontua sobre a conservação dos locais.

A INSTALAÇÃO DE PONTOS DE ÔNIBUS

Há cerca de 20 anos, moradores de Marsilac fizeram um abaixo assinado para solicitar à prefeitura uma estrutura com cobertura para o ponto de ônibus do km 48, que existe até hoje. Maria de Lurdes Brito, 64, morava perto desse ponto. “Na minha casa tinha bastante gente, todo mundo assinou porque um rapaz que saía de madrugada do seminário, às vezes, tomava chuva”.

Image

Maria de Lurdes Brito, 64, tem um ponto de ônibus em frente de casa, em Marsilac, mas sem cobertura (Léu Britto/Agência Mural) @Léu Britto/Agência Mural

Atualmente, em frente à casa que mora, há um ponto de ônibus sem abrigo. “Já saí daqui de casa, quentinha, em dia de chuva, para pegar ônibus nesse ponto, mas fiquei com febre depois, pois peguei chuvisco”, conta.

Apesar da reclamação geral sobre a falta de cobertura, a SPTrans afirma que segue critérios técnicos para a instalação tanto da proteção quanto de qualquer parada de ônibus. Segundo a empresa, para que um ponto exista na cidade, é levado em conta a distância entre os pontos, o tipo de via, o traçado das linhas, relevo e ocupação.

Verificada as condições do local, para escolher o tipo de ponto é levado em consideração a demanda de embarques e, principalmente, desembarques. Depois, é verificado se a calçada possui as medidas mínimas de seis metros de comprimento de guias alteadas e se não há acesso ou aberturas de algum imóvel próximo, nem interferências no piso, como bueiros e árvores.

Ou seja, se muita gente quer descer do ônibus em determinado lugar, onde há uma calçada e espaço, pode-se instalar uma parada com abrigo. Se não, coloque-se apenas um totem.

Image

A SPObras informa que a Prefeitura de São Paulo não tem gastos com a substituição e manutenção dos abrigos de ônibus da cidade. @Arte: Magno Borges

Todo o investimento para a produção e qualquer despesa necessária à substituição, instalação, manutenção e limpeza dos abrigos e totens durante o período de 25 anos é de responsabilidade da concessionária Pra SP, vencedora da licitação, realizada em 2012. Ela é formada pelas empresas Odebrecht Transport, Kalítera Engenharia, Rádio e Televisão Bandeirantes (MG) e APMR Investimentos e Participações.

Além disso, a concessionária paga à Prefeitura, ao longo do período de concessão, R$ 172 milhões, e como contrapartida, recebe o direito de explorar a publicidade no mobiliário urbano.

Cabe à SPTrans a indicação dos locais onde devem ser implantados, remanejados ou suprimidos os pontos de parada de ônibus e se receberão totem ou abrigo. No ano passado, foram realizadas 1.164 vistorias em pontos da cidade, segundo o Relatório de Administração da SPTrans. No entanto, isso corresponde a apenas 5,8% dos pontos da capital.

Em caso de depredação, a Pra SP tem até 24 horas para eliminar o risco aos usuários e depois, em até sete dias, é feita a recomposição do equipamento.

Image

Estrutura de ponto de ônibus no km 48 estrada Engenheiro Marsilac é o mesmo solicitado há 20 anos por moradores (Léu Britto/Agência Mural) @Léu Britto/Agência Mural

Além da manutenção, o contrato da Pra SP com a Prefeitura prevê a substituição de 6.500 abrigos de ônibus e 12.500 totens antigos por modelos novos. Todas substituições já foram implantadas, afirma a gestão.

A concessionária também é responsável pela impressão e instalação dos adesivos contendo as informações sobre as linhas que passam pelas paradas. No entanto, em todos os bairros verificados pela Agência Mural, há paradas sem nenhuma informação sobre os ônibus que passam por ali.

A SPObras afirma que esses adesivos já foram colocados e que “muitas das ocorrências de falta de adesivos decorrem dos recorrentes atos de vandalismo”.

A empresa diz fazer vistorias periódicas e que foram substituídos 750 adesivos no primeiro trimestre deste ano. A SPTrans afirma que fornece as informações sobre linhas de ônibus à concessionária quando há casos de deterioração ou vandalismo.

NÃO TEM TETO, NÃO TEM NADA

A rua Marechal Odylio Denys, na zona norte da capital, é uma velha conhecida dos passageiros de Mairiporã e de Guarulhos, não apenas por estar ao lado do maior terminal de ônibus do país, o Tietê, mas também pelos transtornos que os usuários de linhas que partem dela precisam enfrentar diariamente.

Do local partem três linhas, a 042 (Mairiporã/Divisa), a 337 (Guarulhos/Terminal Taboão) e a 500 (Guarulhos/Terminal Vila Galvão). Por lá, os passageiros têm de esperar debaixo de chuva e sol, pois não há nenhum tipo de cobertura e, para piorar, uma mureta do terminal que servia de banco ganhou grades de proteção. Quem não conhece pode até pensar que se tratam de pontos provisórios, mas esta é a realidade há muitos anos.

Para a autônoma Simone Fernandes, 42, a ida e a volta para Mairiporã poderiam ser muito melhores. “Deveria ter uma cobertura para que nós, passageiros, pudéssemos nos proteger. Meu filho trabalha em São Paulo, ele reclama muito de ficar no ponto pra esperar o ônibus também”.

Image

Ponto na rua Marechal Odylio Denys, na zona norte, é utilizada por passageiros de Mairiporã e Guarulhos e não estrutura (Humberto Muller/Agência Mural) @Humberto Muller/Agência Mural

A linha 042 é a linha intermunicipal mais utilizada por quem mora em Mairiporã. Segundo o edital da EMTU, lançado em 2017, ela transporta 1,1 milhão de de passageiros por ano. Simone, que costuma ir a São Paulo a lazer, também reclama das condições quando volta para casa, em Mairiporã, onde encontra um dos principais pontos do centro em situação precária.

O local, bem na entrada da cidade, recebe passageiros de diversas linhas municipais e intermunicipais. Embora possua cobertura, banco e lixeira, o mal estado de conservação chama a atenção, com pichações, pintura descascada e a falta de um painel de informações.

“Além de pagar caro, vamos de pé no ônibus, quando chegamos lá falta manutenção no ponto. A gente se sente abandonado, esquecido mesmo”, Simone Fernandes, 42, moradora de Mairiporã, na Grande São Paulo

A situação é oposta a de outros pontos instalados em abril de 2018, em alguns lugares no centro da cidade. Há novas estruturas com pontos amplos, cobertura e material mais resistente. Havia expectativa por parte da população de que este também fosse trocado, o que ainda não aconteceu.

As paradas de ônibus na Grande São Paulo são administradas pela EMTU ou pelas prefeituras das cidades.

Image

Ponto de ônibus na entrada de Mairiporã (Humberto Müller/Agência Mural)

A COBRA NO PONTO DE ÔNIBUS

O correspondente de Mairiporã, Humberto Müller, narra o perigo que enfrentou ao esperar o ônibus próximo à sua casa.

NO MEIO DA ZONA RURAL: O PONTO MAIS LONGE DO CENTRO

Já parou para pensar qual é ponto de ônibus, dentro da Grande São Paulo, que está mais longe do marco zero, na Praça da Sé? Essa “marca” pertence a uma parada localizada no trevo da Petrobrás, em meio a zona rural de Salesópolis, a 95 km do centro da Capital.

Por ali, só passa um ônibus: o 311, que liga Salesópolis até Mogi das Cruzes, atravessando também a cidade de Biritiba-Mirim. Em julho, a Agência Mural fez o trajeto entre as duas cidades, que durou cerca de duas horas.

A pensionista Ruth Neves, 70, era a única pessoa esperando o coletivo na parada inicial. “Moro num sítio próximo aqui, mas faço tratamento de saúde lá em Mogi. Aí meu filho me traz até esse ponto, e daqui pego o ônibus”.

O destino final da maioria dos usuários é mesmo Mogi das Cruzes, a maior cidade da região do Alto Tietê, e grande polo de indústrias, comércios e serviços.

No entanto, se o destino final fosse a Sé, o usuário deveria descer em Mogi, fazer baldeação para a linha 11 da CPTM, e seguir até a estação da Luz, e ainda embarcar na linha 1-azul do Metrô. O trajeto, sem atrasos, duraria em torno de quatro horas.

Longe da correria da capital, Ruth diz que não tem do que reclamar da linha e nem do ponto. “Chego aqui e logo passa o ônibus. Toda hora passa um”.

Image

O ponto mais distante do marco zero de São Paulo fica em Salesópolis, na região metropolitana (Lucas Landin/Agência Mural) @Lucas Landin/Agência Mural

MUDANÇAS QUE NÃO CHEGAM

Quem vive na Jova Rural, no extremo norte de São Paulo, tem acompanhado mudanças nas estruturas dos pontos de ônibus desde 2014. Na época, a SPobras havia iniciado a substituição de abrigos nos pontos de ônibus da cidade.

Contudo, as mudanças não atingiram todo o bairro. Na rua Ari da Rocha Miranda, por exemplo, a maior parte dos abrigos possui totem e abrigo nos dois sentidos. Foi ali que foi instalado o primeiro abrigo do modelo brutalista leve (estrutura metálica, vidro e banco de concreto). A instalação foi uma novidade, pois antes os pontos tinham a cobertura de telhas.

Mas ao chegar ao Jardim Felicidade, na rua Arley Gilberto de Araújo, há apenas totens com piso tátil, ou mesmo pontos em que não há nenhum indicativo de ser um ponto de parada.

“Seria bom se todos os pontos fossem cobertos porque a gente sai de madrugada, às vezes está chovendo, e o ônibus demora uma eternidade”, afirma a dona de casa Sueli Firbida, 53.

O ponto final localizado na rua dos Pinheiros, que atende a linha 1702 que vai para as estação Tietê, não há cobertura. A mesma coisa na rua Arley Gilberto de Araújo, no ponto final das lotações 1701-21 Metrô Tucuruvi e 1701-10 Metrô Santana.

O cidadão pode notificar pela Central 156 ou pelo site da prefeitura qualquer ocorrência referente aos pontos de parada de ônibus. A demanda será direcionada para a SPTrans ou SPObras, dependendo do assunto.

DEIXA QUE EU DEIXO

Leia mais: Enquanto conversávamos, o ônibus passou direto

PONTOS VARIADOS

Galeria: Confira 13 tipos de pontos de ônibus encontrados nas periferias de São Paulo

receba o melhor da mural no seu e-mail

Karol Coelho

É jornalista, cofundadora da Agência Mural e correspondente do Campo Limpo desde 2010. Colaborou com a criação da Escola Comunitária de Comunicação da Escola de Notícias, no Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Escreve poesias e tem um livro chamado "Estado Atmosférico", que produziu de maneira independente. Na Mural, também apresentou o Rolê Na Quebrada e o PodePá! e foi editora de projetos especiais.

Republique

A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.

Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.

Envie uma mensagem para [email protected]

Reportar erro

Quer informar a nossa redação sobre algum erro nesta matéria? Preencha o formulário abaixo.

receba o melhor da mural no seu e-mail

PUBLICIDADE