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Arquivo Pessoal

Por: Livia Alves

Notícia

Publicado em 30.01.2024 | 13:55 | Alterado em 30.01.2024 | 23:03

Tempo de leitura: 6 min(s)

Lamentamos informar que o nosso querido Edu faleceu”, dizia um post no Instagram da Adega do Baguinho, um bar conhecido na região do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, ainda no segundo dia de 2024.

Edu em questão é Eduardo Monteiro, nascido em 1967 que morreu aos 56 anos, vítima de enfisema pulmonar em meio a um estado de burnout segundo familiares. Ele era o dono da “Tapioca do Edu”, apreciada pelos frequentadores da pracinha do Arariba, bairro que fica dentro do Campo Limpo.

Lembro que as tapiocas do Edu ficaram conhecidas pela variedade, com sabores que poderiam ser inusitados já que o cliente tinha a liberdade de fazer a escolha ou até escolher uma massa de chocolate. Na barraca, vendia também lanches de carne, pão de mel, bebidas e é claro, uma experiência.

Além disso, ele não se restringia a vender. Os clientes sempre tinham a experiência de conversar com Edu, um homem divertido e sério, cara de “marrento”, mas um coração enorme. Era comum passar pela praça e vê-lo sentado em uma das cadeiras, com cigarro na mão, ouvindo alguém aleatório falar sobre os mais diversos assuntos.

Edu e os filhos mais novos @Arquivo Pessoal

Nascido na região da Casa Verde, na zona norte de São Paulo, Eduardo trabalhou em diversos ramos. Serviu ao exército, formou-se em administração, mas nunca gostou de ser empregado e sonhava em ter o próprio negócio. Foi taxista, vendedor de queijo, corretor de imóveis, vendeu doces até chegar à tapioca.

No primeiro casamento, teve 3 filhos, Camila, 35, Ricardo, 32, Wagner (Gugu), 28. Separou-se da mulher e depois conheceu Valéria Mariano, 56, com quem viveu por 25 anos e teve a filha caçula Thamires, 16. Após o nascimento, mudaram-se para o Jardim Ingá, na zona sul de São Paulo, perto de onde abriria o atual negócio em 2016.

A enfermeira Ana Luiza Geniole, 25, trabalhava com o Edu. Brincavam falando que ela era a pupila e ele o mestre. No final de 2018, ela passou a ajudar na barraca de tapioca e recorda que mudou muito no decorrer dessa trajetória.

“Sempre fui uma pessoa muito tímida e super fechada, e o Edu sempre foi muito brincalhão e tirava sarro de tudo, o tempo que passei com ele, me ensinou a ver a vida de forma um pouco mais leve, a não encarar tudo tanta seriedade”, lembra.

Ana conta que o aprendizado não veio apenas em fazer ótimas tapiocas e fazer um bom atendimento, mas também de acolhimento. “Sempre me incentivou a melhorar, e mostrar o melhor de mim. Me protegia como um pai”.

Vendedor era querido por clientes, como Nayara @Livia Alves/Agência Mural

Quando recebi a notícia da morte nas redes sociais, logo entrei em contato com a Nayara Felix, 29, estudante de pedagogia que era minha companheira nas noites de conversa na barraca de tapioca.

Nayara o conheceu no final de 2017, quando voltou da faculdade que cursou em Assis, no interior de São Paulo. Com o passar do tempo, essas conversas viraram um relacionamento quase parental, onde era quase uma obrigação ir encontrá-lo pelo menos para dizer um “oi”.

“Tenho uma relação meio paterna com ele. Sempre me ajudou, me deu conselho, faz parte da minha rotina mesmo. Ainda estou em negação porque ele não está mais aqui”, lamenta Nayara.

O carinho também era compartilhado com pessoas que vinham de fora da capital. A streamer da Twitch Lady J, 41, mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, mas contou em uma live que a Tapioca do Edu era a melhor que ela já comeu, criando uma das clássicas competições da internet RJ x SP.

“O tio da tapioca era maneiro, ele foi muito receptivo, a conversa descontraída dele me deixou confortável e me senti num clima em casa”, recorda.

Edu na barraca que era uma das referências no Parque Arariba @Arquivo Pessoal

Marisa Souza, 30, professora que mora em Araraquara, no interior paulista, conheceu o Edu no ano passado. “É uma pessoa que fará muita falta, não só pelo modo como tratava a todos, mas pela forma como falava sobre as coisas da vida, sobre as transformações que nossa sociedade necessita, sobre a forma como nós olhamos para as pessoas”

Por trás da tapioca

Depois da notícia, entrei em contato com Valéria Mariano, esposa do Eduardo que é confeiteira e responsável por produzir o pão de mel que é vendido na Tapioca do Edu. Durante a conversa, acompanhada de um café, emoções e risadas, ela lembrou a formatura em administração e dos momentos mais divertidos e aleatórios.

Além da venda, Edu era um dos maiores divulgadores dos projetos sociais da praça do Arariba. Ele criava campanhas de arrecadação de brinquedos e alimentos, e muitas vezes fazia a distribuição gratuita dos lanches que produzia para as crianças durante esses eventos.

Esposa e filha de Edu relembram papel dele no bairro @Livia Alves/Agência Mural

“Ele participava de tudo, fazia campanhas, arrecadava, mas não gostava que as pessoas soubessem, estava sempre ajudando muita gente, quietinho ali na moita, sem fazer alarde”, conta Valéria.“Se ele estivesse aqui e agora ele diria que não iria fazer a entrevista, diria que não merece isso, mas acho que ele merece sim.”

Além dos projetos sociais, Edu foi um dos responsáveis por organizar a feira do Campo Limpo, com o objetivo de garantir um ambiente adequado e justo para todos os comerciantes da área, organizando as barracas entre áreas alimentícias e artesanatos.

Era uma pessoa espiritualizada, que constantemente ensinava aos curiosos sobre a umbanda, o espiritismo e o candomblé. Apesar de não ser um frequentador nos últimos anos de vida, sempre foi um estudioso e respeitador das religiões voltadas para a espiritualidade.

Nayara lembrou de quando começou a buscar um terreiro na região e ele conhecia todos e indicou um, além de ensinar sobre as histórias das entidades que tanto admirava. “Ele sempre teve muito respeito por essas religiões. Às vezes ia em um centro de umbanda aqui perto mas parou com o tempo.” conta Valéria.

Barraca de Edu toda decorada @Livia Alves/Agência Mural

Trabalho e cansaço

“Na véspera de ele ser entubado ele começou a ter uma confusão mental. Ele pegou a bolsa, levantou, falou que precisava ir embora porque tem gente na fila, tem grávida esperando tapioca, preciso ir lá trabalhar porque estava sozinho no dia”, disse Valéria.

Com medo de não ter condições de pagar as contas ou deixar a família em estado de vulnerabilidade, Edu passou a focar no trabalho ao ponto de deixar a saúde totalmente de lado. Nos últimos meses, era perceptível como ele passou a ficar mais tempo sentado, de cabeça baixa, parecia cansado.

“Ele se tornou um cara pior que workaholic, burnout total. Dizia pra ele, você precisa se tratar, precisa passar num psicólogo. Ele vivia falando: “Eu tenho que pagar conta, não posso parar de trabalhar”, conta Valéria.

“Ele ficou obcecado mesmo. Enquanto tivesse movimento, ele não saia”, completa, citando que ele ficava aberto mesmo em dias de chuva.

Fila da barraquinha quando era no Campo Limpo @Arquivo Pessoal

Ao mencionar a causa da morte, Valéria conta que houve diversos fatores, mas o cigarro foi um dos principais. Ela conta que já foi fumante e parou, mas Eduardo não conseguiu. Valéria também tomou a decisão de nunca mais vender cigarros na barraca de tapioca.

Durante o tempo no hospital, a dificuldade em dopá-lo preocupou a família e os médicos. “Ele ficava agitado, talvez pela abstinência do cigarro. Parecia o tempo todo que ele queria falar. Se desse ele fugia do hospital. Ele só foi dopado mesmo quando foi entubado na UTI, mas não aguentou.“, lembra.

Thamires Mariano Monteiro, 16, é colegial e a filha mais nova do casal. Considerada a filha mais parecida com o pai, tanto no temperamento quanto no bom humor, ela afirma que não esperavam e que durante todo o tempo ele tentou esconder que estava doente para não assustar a família e não ter de fechar a barraca.

“Ele levantava de manhã, sentava, acendia um cigarro e ficava falando ‘tenho que comprar latão’, ou ‘falta tal coisa na barraca’ (…) antes de ele ser internado ele não falava que estava doente mas dava para ver que ele estava cansado e com dificuldade”, conta.

Filha revê fotos do vendedor @Livia Alves/Agência Mural

O sonho de manter um sonho

Thamires lembra das viagens que faziam com frequência para a praia, no estilo “de humanas”, nas palavras dela. Ela brincava dizendo que venderia a arte dela na praia, quando os pais falavam sobre os planos de se aposentar assim que ela terminasse a faculdade.

“A gente tinha um sonho de comprar um motorhome e viajar por todo o Brasil. O plano era montar uma cozinha dentro dele para vendermos tapioca e bolos nos lugares para bancar o básico’

O sonho de viajar pelo Brasil permanece, manter o nome da barraca também. Thamires diz que depois que terminar a faculdade quer ir com a mãe para essas viagens. “Eu sou o GPS dela, se eu não for ela se perde no caminho”, conta Thamires.

Semanas após a morte de Edu, Valéria reabriu a barraca e várias pessoas vieram conversar. Falaram sobre como a escuta paciente e palavras de conforto de Edu, ou até mesmo broncas, foram importantes para mudar a vida de cada pessoa que parou em uma tarde ou noite na pracinha do Arariba. Além do cheiro dos lanches e, é claro, de sua tapioca.

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Livia Alves

Jornalista apaixonada pela cultura brasileira. Pansexual, youtuber e streamer pelo canal LadoPan nas horas vagas. Correspondente do Campo Limpo desde 2021.

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