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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Mateus Fernandes

Notícia

Publicado em 25.05.2023 | 12:10 | Alterado em 26.05.2023 | 16:17

Tempo de leitura: 5 min(s)
Esta reportagem faz parte do programa de treinamento "Periferias no Clima" e tem apoio da Embaixada e Consulados dos EUA no Brasil flag emb and cons vert - EN Transparent (6)

“A nossa fé tem muito compromisso com a natureza”, diz o babalorixá Luciano de Oxum, 50, líder religioso do terreiro de Candomblé Axé Cabuçu, citando a conexão entre o ambiente e a espiritualidade. “Sem [ela] não temos ancestralidade, precisamos preservar a terra, é o nosso vínculo com os orixás.”

Ele é morador do Jardim Cabuçu, em Guarulhos, na Grande São Paulo, e conta que em meio à escassez de espaços verdes em boa parte da cidade, as comunidades de candomblé e umbanda têm desempenhado um papel significativo na questão ambiental em bairros periféricos do município.

Lideranças religiosas da região, localizada no lado norte da cidade, criaram projetos de hortas comunitárias, coleta seletiva de resíduos, reciclagem e outras ações de preservação.

Babalorixá Luciano de Oxum, do Terreiro de Candomblé Axé Cabuçu @Mateus Fernandes/Agência Mural

No terreiro do babalorixá Luciano tem 1.400 m² de vegetação, e a área verde é cultuada pelos próprios moradores e membros do candomblé. Mais de oito famílias são beneficiadas pelos frutos, ervas e outras vegetações cultivadas, que são utilizados tanto na alimentação como em oferendas para os orixás.

Para o morador do bairro do Cabuçu Henrique Oliveira, 63, a iniciativa das comunidades religiosas é fundamental para a manutenção de áreas verdes.

“No bairro, temos poucas áreas verdes e muito lixo. Apesar de ser evangélico, sinto a importância das ações de matriz africana na melhoria do nosso ambiente

Henrique Oliveira, morador nascido e crescido na região do Cabuçu

Além da sustentabilidade, a ação ajuda a difundir a cultura afro-brasileira na cidade. Em 2006, o terreiro de Luciano recebeu uma missão do Orixá Xangô de preservar uma mata no Cabuçu, com o objetivo de cultuar os orixás e manter a vida dos mesmos dentro das árvores.

A construção da área florestal contou com a plantação de diversas mudas africanas no solo brasileiro, como Ìròkò, igi opê e apaoka (palmeiras e árvores de frutos), que foram trazidas pelos escravizados, passadas de geração em geração até encontrar o local atual no Cabuçu.

Árvores e ervas Africanas. Vegetação de Ìròkò, Igi Opê e Apaoka @Mateus Fernandes/Agência Mural

“Apesar de nunca ter recebido apoio da Prefeitura de Guarulhos ou do Ibama, o local continua preservado graças ao nosso axé e ajuda da comunidade”, diz Luciano.

Durante os 17 anos, o Terreiro do Cabuçu recebeu doações de sementes de diversos povos da África Ocidental, como Nigéria, Benin e Togo. Além do apoio de ambientalistas, indígenas, lideranças religiosas e moradores da região para o manuseio da terra.

Magno Borges/Agência Mural

Desmatamento de áreas verdes

As ações realizadas na cidade ganham relevância tendo em vista a situação da cidade. Atualmente, Guarulhos possui uma extensão territorial de mais de 318 km², porém apenas 21,38% é destinada a áreas verdes (67,9 km²), segundo informações da Prefeitura. A maior parte está concentrada em uma única região do município.

A proporção ambiental da cidade já levantou preocupações. Entre 2014 e 2015, Guarulhos foi o município que mais desmatou Mata Atlântica no estado. Dados do Atlas dos Municípios da Mata Atlântica apontaram que, nesse período, aproximadamente 27 hectares de floresta nativa foram eliminados – o equivalente a cerca de 27 campos de futebol.

Jardim Cabuçu, em Guarulhos, fica na zona norte da cidade e ainda guarda algumas áreas verdes @Mateus Fernandes/Agência Mural

Em um recente levantamento realizado pelo MapBiomas, SOS Mata Atlântica e Arcplan, constatou-se que a cidade passou por uma queda significativa no que diz respeito ao desmatamento. Em 2022, Guarulhos ocupou a 18ª posição entre os municípios da Grande São Paulo, com 5 hectares de mata derrubada.

A Agência Mural entrou em contato com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Guarulhos. O órgão afirma que há ações para aumentar a área verde da cidade. Uma delas é o projeto “Adote uma Área Verde”, que prevê o plantio de 200 mudas de árvores nativas até o final do ano, entre elas pau-brasil, palmito-jussara, manacá-da-serra, cabreúva, e açaí.

Racismo religioso e ambiental

Apesar dos avanços na preservação ambiental promovidos por integrantes das religiões de matriz africana, diversos terreiros de candomblé e umbanda enfrentam racismo religioso e ambiental, sendo proibidos até mesmo de frequentar áreas florestais da Grande São Paulo.

“Há uma ideia equivocada de que os terreiros são sujos e que a gente não cuida da natureza, é muito comum sermos parados de entrar em reservas ambientais”, cita a mãe santo Rafaela Mendes, 44, do Terreiro da Vovó Jurema, localizado numa área urbana do bairro Tucuruvi, na zona norte da capital.

“O racismo religioso é um mecanismo que visa colocar uma única religião como socialmente correta e aceitável”, pontua Andreza Maia, 28, consultora e especialista em pautas raciais.

Andreza afirma que essa é uma das formas de discriminação, manifestada por meio da falta de aceitação social e na hostilização de pessoas que seguem religiões de matrizes africanas, como a umbanda e o candomblé, ao exercerem sua fé publicamente.

Andreza Maia é especialista em causas raciais @Arquivo Pessoal

Por outro lado, o racismo ambiental destaca a desigualdade na forma como pessoas negras são afetadas pela degradação ambiental, já que historicamente ocupam espaços com menor estrutura. A especialista ressalta que exemplos dessa prática incluem a falta de acesso a saneamento básico em regiões periféricas e o despejo de resíduos nocivos à saúde em áreas de vulnerabilidade social.

“É fundamental que os governos estaduais e municipais se preocupem cada vez mais com as pautas que envolvam religião e meio ambiente”

Andreza Maia, consultora e especialista em causas raciais

Para ela é necessário um olhar atento à preservação ambiental ao mesmo tempo que se garantem os direitos de liberdade religiosa e o combate ao racismo religioso e ambiental.

De acordo com a líder religiosa Rafaela, a proibição de expressar a fé em reservas ambientais é uma forma de invisibilizar e marginalizar as religiões de matriz africana. Outras religiões não sofrem com as mesmas restrições, negar nossa fé por conta da nossa cor, é apagamento”, afirma.

A falta de acesso às áreas verdes tem obrigado os filhos e filhas do Terreiro da Jurema, localizado no bairro Tucuruvi, a buscarem alternativas para expressar a fé diante das restrições.

Atualmente, os trabalhos religiosos são realizados dentro do próprio terreiro ou nas casas dos membros. Além de, a cada três meses, se organizarem para visitar áreas verdes mais afastadas da cidade, a fim de evitar qualquer tipo de discriminação.

Mãe de Santo Rafaela Mendes, do Terreiro da Jurema @Mateus Fernandes/Agência Mural

“Por meio da natureza, realizamos proteção, limpeza e purificação. Como filhos e filhas de axé, assumimos o papel de guardiões da ancestralidade”, argumenta Rafaela sobre a importância de uma sociedade que reconheça e respeite a contribuição da fé na preservação ambiental.

Questionada, a secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo afirma que reforça a política de não-discriminação e de combate ao preconceito religioso, étnico e de classe, além de garantir que todas as formas de poluição ao meio ambiente sejam punidas de maneira igual.

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Mateus Fernandes

Favelado metido a palestrante, contrariando as estatísticas por aí! Graduando em Psicologia pela Universidade São Judas Tadeu. Coordenador do Cursinho Popular Cora Coralina. TEDx Speaker de GRU/SP. Apaixonado pelo rap e o funk. Correspondente de Guarulhos desde 2021.

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