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Agência de Jornalismo das periferias

Arquivo pessoal

Por: Evelyn Fagundes

Notícia

Publicado em 22.02.2024 | 11:07 | Alterado em 22.02.2024 | 18:03

Tempo de leitura: 5 min(s)

O slam, evento em que os poetas leem versos em forma de competição, está presente em Guarulhos, na Grande São Paulo, há mais de cinco anos. O precursor do movimento no município foi o Slam do Prego, realizado no centro da cidade. Mas, desde o ano passado, um novo encontro de slammers foi criado a fim de fortalecer a cultura das quebradas guarulhenses.

Trata-se do Slam Fundão, criado em 2023. O nome escolhido faz referência à localização do evento, no bairro Soberana, uma das periferias do município. O objetivo dos idealizadores foi evitar grandes deslocamentos dos poetas que precisavam ir para o centro para batalhar.

O encontro é realizado em uma pequena praça na região e reúne artistas de outros pontos do “fundão”, como os bairros Fortaleza, Santos Dumont, Haroldo Veloso, Seródio, São João, Jardim Lenize, Carmela e Ponte Alta.

“Era mó rolê para ir pra lá [no centro]. Pegar o busão e ir pra um local no qual não tinha um acolhimento da própria cidade porque não tem uma apropriação com espaço, a galera tá ali de passagem”, disse o poeta Adams Pontes, 35, um dos organizadores do movimento.

Ele é conectado com projetos artísticos há anos, já trabalhou na equipe de organização do Slam do Prego e, atualmente, além do Slam Fundão, compõe o Sarau da Quebrada, movimento cultural também de Guarulhos.

Adams ressalta que a ação também busca levar cultura a uma região onde há pouquíssimos acessos à cultura e à arte, a não ser dos movimentos de cultura periférica.

Para Tauane Lima, 21, fotógrafa que faz parte da organização do Slam Fundão, o movimento se tornou um lar para novos poetas, que nunca haviam participado de uma batalha. “Muitos começam a batalhar pela primeira vez, se descobrem como poetas e isso já é um impacto”, disse.

O Slam ocorre, geralmente, durante a tarde. O horário foi pensado como uma forma de facilitar o deslocamento dos participantes para casa e auxiliar na organização de cada um para o dia seguinte: segunda-feira. @Arquivo pessoal

“Provavelmente, se não tivesse esse coletivo aqui no fundo, esses poetas nunca chegariam a ir num coletivo de poesia ou até mesmo conhecer um coletivo de poesia a não ser através da internet”, relata Tauane, que é moradora do bairro Soberana e afirma ter se encontrado na poesia desde os 15 anos.

O poeta Guzz, 17, que frequenta o Slam Fundão e é morador do Soberana, conta que para ele é muito importante reconhecer o próprio bairro na rota dos movimentos artísticos da cidade, o que coloca em evidência os poetas da região. “No fundão de Guarulhos existem vários artistas com um potencial enorme”, afirma o slammer.

A primeira vez que Deia, 18, “correu” foi no Slam Fundão. A expressão “correr” é utilizada, neste contexto, para se referir ao ato de competir com outros poetas nas batalhas em que são apresentados os versos autorais.

À esquerda, Deia, 18. À direita, Milly, 18 @Arquivo pessoal

“O Slam Fundão abriu a porta desse mundo pra mim. Nunca tinha ido, tinha vergonha, não tinha muita oportunidade. Como tem algumas pessoas que conheço, então eu me senti muito à vontade no espaço”, afirma a poeta, que vive no bairro Carmela e escreve sobre negritude e representatividade feminina.

“Quando fui pela primeira vez, estava um pouco nervosa quanto à competição. Não ganhei, mas eu saí muito feliz, porque vi a potência de expressão das pessoas. Tudo isso vale muito a pena”.

‘Os slams e as intervenções artísticas são um grito. Uma forma de colocar pra fora todas as coisas que ficam dentro da gente e que a gente precisa externalizar de alguma forma. Acaba sendo um refúgio

Deia, poeta do Slam Fundão

O poeta do bairro São João, Menzy, 17, escreve poesias há mais de cinco anos e acompanha eventos de slam há cerca de um ano. Assim como Deia, foi no Slam Fundão onde ele começou a competir nas batalhas de poesia.

À esquerda, Guzz, 17. À direita, Menzy, 17 @Arquivo pessoal

“A gente sabe que o acesso à cultura aqui nesses bairros é bem limitado. Muitas das pessoas não sabem do que se trata e acham que vai ter briga ou algo do tipo”, falou sobre a resistência dos movimentos de arte marginal que lutam contra o preconceito.

Para Milly, 18, o Slam Fundão tenta aproximar todas as pessoas, tanto jovens, adultos e suas famílias. “Pessoas que não gostavam antes começaram a gostar”, diz. “A minha mãe, por exemplo, apesar de ter crescido à base da cultura do rap acabava tendo um pouco de receio com o movimento. Mas, depois, a gente começou a ir juntas e aí ela pegou uma tranquilidade”, contou.

Trecho de “Carolina Maria”, poesia de Deia

[…]

“Eu e Deus” e é por ele que ela chama no perigo

que ela chama a todo instante 

Desde menina um alvo ambulante

Um burro de carga andante

Um depósito de sentimento faltante , 

Acostumada com falta, buraco, rejeição

Abrir o peito numa bala não parece tão má opção 

Talvez assim, de peito aberto e alma desnuda

Talvez assim, intervenção, 1 ou 2 reparem nela

Talvez 3 escutem do seu olhar de fadiga o grito, 

os sussurros de toda uma vida 

E a vida não é sobre isso, Carolina Maria?

Eu morri pra ser a poesia”

Chuva de poesia

Para além das batalhas, o Slam Fundão tem atraído participantes com outras formas de integração. Uma delas é a chuva de poesia. Nessa atividade, são entregues pequenos papéis com trechos de músicas ou de poesias que serão lidos pelos participantes do Slam.

“Cada pessoa que está ali recebe um trecho, que é só um pingo, um pingo para que ao longo desses pingos a gente possa fazer uma chuva de poesia”, explica Adams sobre a estrutura do projeto. “Dessa forma a gente tenta democratizar para que todo mundo possa ter um espaço com a poesia, mesmo que não batalhe.”

O organizador afirma que essas e outras ações feitas pelo Slam Fundão buscam promover a convivência, a integração e fazer com que as pessoas se sintam confortáveis e seguras para expor seus pensamentos, sem se sentirem envergonhadas.

Papéis com trechos de poemas ou músicas são distribuídos para que os participantes leiam e façam reflexões @Arquivo pessoal

Também há espaço para o microfone aberto para quem quiser compartilhar uma música, letra ou poesia, sem necessariamente participar da batalha. Além disso, também é realizado o “Fundão Estante”, momento de troca de livros entre os participantes.

Acesso à cultura

A organização do evento é totalmente independente e os aparelhos utilizados, como microfone e caixa de som, são equipamentos que fazem parte do Sarau da Quebrada e são emprestados para o Fundão. Como afirmam os organizadores, foi por meio da união de vários moradores das periferias que foi formado o Slam.

A organizadora diz que só teve ciência sobre o que é um slam por meio de vídeos nas redes sociais. Para ela, essa situação é um reflexo sobre o incentivo à arte nos bairros periféricos. “Nunca tive acesso a uma cultura que não seja através do Facebook. Eu vim saber o que é um slam através do Facebook. Depois passei a frequentar o Slam do Prego”, lembrou.

“É importante o incentivo à leitura, poder se expressar através da arte, ter algum momento de lazer aqui no fundão. Também é um momento de lazer, de se divertir, encontrar os amigos”, diz Tauane. “O fundão só tende a crescer e expandir mais e mais aqui no Soberana. Espero que possamos furar a bolha para mais lugares de Guarulhos”.

SLAM FUNDÃO

Quando: Uma vez por mês (a definir a próxima edição)

Endereço: Endereço: Avenida Lagedão, 277 – Soberana, Guarulhos (Praça em frente ao Espaço Estrela) 

Informações: https://www.instagram.com/slamfundao/

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Evelyn Fagundes

Jornalista em formação pela PUC-SP, instituição onde desenvolve sua pesquisa sobre as obras do Racionais MC's. Mãe de pet e planta, canceriana e apaixonada por música. Correspondente de Guarulhos, na Grande São Paulo, desde 2022.

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